segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Uma Igreja comprometida com a vida¹



“Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, me chamam de ‘comunista’” (Dom Hélder Câmara)

A Doutrina Social da Igreja reúne alguns dos ensinamentos mais marcantes da Igreja Católica. Sua pertinência e atualidade desafiam o comodismo e qualquer possível leitura superficial do Evangelho. 
Onde há vida, há Evangelho. Os contextos social, econômico, político, ecológico, além de fenômenos como o da globalização são sementeiras para a presença do cristão. Nesses espaços, ou hiatos da vida humana, o cristão é chamado a ser profeta da vida. Movido pelo Evangelho, e incentivado pela justiça do Reino de Deus, deve ser presença qualitativa para a transformação do mundo. 
Consciente da importância da Doutrina Social da Igreja (DSI), o Pontifício Conselho ‘Justiça e Paz’ lançou em abril de 2004 o Compêndio da Doutrina Social da Igreja. O livro está nas melhores editoras católicas, e disponível na internet (http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html). Este deveria ser um texto de cabeceira do cristão. Seu conteúdo será a base para esta Coluna que iniciamos com muita alegria, nesta nova configuração do Jornal Presença Diocesana. 
São João Paulo II afirmou em sua Encíclica Sollitudo Rei Socialis (1988) que “o ensino e a difusão da Doutrina Social fazem parte da missão evangelizadora da Igreja” (ver Compêndio DSI §7).
A Doutrina Social será de extrema importância para este momento profético e missionário de uma ‘Igreja em saída’, como nos pede o Papa Francisco. Diante de um mundo conturbado pelos interesses do lucro sem limites (ver Laudato Si §195) a DSI pode ser uma luz para iluminar o caminho e conduzir a vida para a sua dignidade: a dignidade de termos sido criados à imagem e semelhança de Deus. 

(¹ Publicado no Jornal Presença Diocesana nº 169 - Setembro de 2015 - pg 9)

segunda-feira, 11 de julho de 2011

A moral do lucro

A Igreja tem, e sempre teve, uma relação complexa com a riqueza; às vezes, ela se manchou com essa relação. A mensagem que vem do Vaticano agora requer um senso de vigilância intensificado em toda a Igreja.
Publicamos aqui o editorial da revista católica britânica The Tablet, 09-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A Santa Sé identificou um novo inimigo público – o especulador. Em declarações aos delegados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e a Alimentação (FAO), com sede em Roma, o Papa Bento se referiu à forma como os alimentos se tornaram uma commodity que é agora negociada sem levar em conta as necessidades dos famintos do mundo.
"Como podemos ignorar o fato de que os alimentos se tornaram um objeto de especulação ou estão ligados a movimentos em um mercado financeiro que, sem regras claras e princípios morais, parece ancorado no único objetivo do lucro?", perguntou. O uso dos alimentos como uma mercadoria que pode ser comprada e vendida nos mercados internacionais é amplamente o culpado pela explosão dos preços dos alimentos mundiais e a rápida expansão do número de pessoas de todo o mundo sem o suficiente para comer. Os alimentos, às vezes, são acumulados apenas para forçar o aumento dos preços.
Mas uma acusação mais ampla contra a especulação financeira foi pronunciada pelo secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Tarcisio Bertone, em um encontro promovido pelo Pontifício Conselho "Justiça e Paz". O cardeal disse que um bom líder de negócios não é um especulador, mas sim um inovador. "O especulador assume como seu objetivo maximizar o lucro; para ele, os negócios são apenas um meio para um fim, e esse fim é o lucro. Para o especulador, construir estradas e estabelecer hospitais ou escolas não é o objetivo, mas meramente um meio para a meta do lucro máximo. Deve ficar imediatamente claro que o especulador não é o modelo de líder de negócios que a Igreja sustenta como um agente e um construtor do bem comum".
Tanto as declarações do cardeal quanto do papa estão entre os sinais recentes de que o Vaticano quer desempenhar um papel mais proativo na promoção da Doutrina Social da Igreja, ao invés de se confiar na publicação de novas encíclicas sociais a cada década ou duas, com longos períodos de silêncio entre elas.
No outono europeu passado, o Pontifício Conselho "Justiça e Paz" organizou um simpósio no Vaticano, juntamente com o projeto True Wealth of Nations, com sede nos EUA, sobre a aplicação da encíclica Caritas in Veritate, do Papa Bento XVI,  nos Estados Unidos.
Na Inglaterra e no País de Gales, a Conferência dos Bispos embarcou em um programa prolongado de eventos para "aprofundar o engajamento social" da Igreja, que o Vaticano está claramente encorajando. O discurso do cardeal Bertone ofereceu pouco conforto para os homens de negócios que satisfazem suas consciências engajando-se em atos de filantropia, embora generosos, ou que simplesmente garantem que suas práticas de negócios são socialmente responsáveis. Ele os desafiou a mirar mais alto: a dirigir sua criatividade para "desafios acima e além da economia e do mercado".
Especificamente, ele mencionou medidas para trazer as pessoas marginalizadas para a atividade econômica, destacando que há "países inteiros com um grande número de jovens e com poucos empregos". E convocou os líderes de negócios com uma consciência social a "ver seu trabalho como parte de um novo contrato social com o público e com a sociedade civil".
A Igreja tem, e sempre teve, uma relação complexa com a riqueza; às vezes, ela se manchou com essa relação. A mensagem que vem do Vaticano agora requer um senso de vigilância intensificado em toda a Igreja. Ao aceitar ofertas de doações filantrópicas, ela não deve comprometer sua própria integridade. Os especuladores podem fazer pressão com o seu dinheiro. Eles devem saber que, assim, seus dons não inaceitáveis

quinta-feira, 10 de março de 2011

Simpósio defende criação de cartilha sobre pensamento social católico

O Conselho Pontifício Justiça e Paz, com o seu prefeito, o cardeal Peter Turkson, de Gana, continua mantendo viva a discussão em torno da encíclica social de 2009 de Bento XVI, Caritas in Veritate. No dias 24 e 26 de fevereiro, o conselho realizou um simpósio que reuniu intelectuais e empresários para falar sobre como os elevados princípios da encíclica podem ser traduzidos na prática inflexível dos negócios.

A ideia subjacente é a de que, se o ensino social católico tem a ver com fazer a diferença, ele tem que chegar às pessoas que realmente moldam a economia global.
Uma ideia criativa que surgiu do simpósio é a de que o conselho elabore uma cartilha sobre o pensamento social católico para profissionais de negócios – uma espécie de versão católica dos "Princípios Sullivan", que pediam que as corporações aplicassem pressão econômica sobre a África do Sul para rever e, finalmente, acabar com o apartheid. O objetivo é gerar um conjunto conciso e claro dos princípios básicos para introduzir a ética na vida econômica, com um impacto visível no mundo real.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

DEMOCRACIA CARNAVALESCA

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

A democracia no Brasil é uma beleza: você vota com a mais alta tecnologia de ponta. Digita um número, aparece uma foto, você confirma e... Pronto! Está eleito o novo representante democrático do povo brasileiro. Ele já pode ser diplomado e transferir-se para o Planalto Central, passando a integrar o grupo seleto dos tripulantes da nave espacial do Congresso Nacional.

Antes mesmo dele e os demais eleitos assumirem seus postos, seus colegas de carreira já se encarregaram de preparar a cama. Enquanto várias categorias, Brasil afora, pelejam para elevar seus ganhos em 6, 7, 8, 9 ou 10%, os senhores deputados e senadores tascaram um aumento de mais de 60% sobre os próprios salários, num gesto de profundo e genuíno patriotismo. Afinal, está em jogo os interesses máximos da nação brasileira e dos setores mais carentes da população.

E a democracia funciona tão bem que esse ato de elevada consciência nacional tem repercussões automáticas em todo corpo administrativo, o tal do efeito dominó ou efeito cascata, como quiserem. Ganha a nave espacial central e ganham as naves espaciais estaduais, além dos ministros e do presidente e vice. Presidente ou presidenta? Agora podemos escolher: mais um benefício de nossa democracia abençoada. Nunca antes na história desse país se viu coisa igual!

É uma beleza, todos ganham: o Judiciário, o Executivo e o Legislativo. Nessa hora os extra-terrestres falam uma linguagem comum. Se for necessário fritar um deles em fogo lento, ou promover um linchamento político, isso será feito sem nenhum escrúpulo. Mas agora não, agora se trata de defender a companheirada. Prevalece o corporativismo, a camaradagem, a cordialidade tipicamente brasileira

O bispo de Limoeiro do Norte - CE, em protesto, recusa a homenagem do Senado, a mídia divulga os aumentos abusivos, o povo comenta pelas ruas... Mas nada disso parece interpelar os tripulantes da nave espacial. Alguns até, estranhamente originários das CEB’s, dos movimentos sociais, das organizações de base, vêem a público para justificar sua decisão patriótica, como também já haviam justificado a pressa em aprovar as concessões de TV paga em favor das empresas de telecomunicações. Nem se lembravam que, há tempo, tramita pelas engrenagens da casa outro projeto, desta vez em favor dos consumidores, contra o pagamento da assinatura do telefone fixo. Puro roubo, sem qualquer tipo de benefício. Pois então, os representantes democráticos do povo, vinham optando pelos empresários das teles e não pelos consumidores! Dá para entender? Difícil, tão difícil que tudo ficou adiando...

Ah sim, e quanto ao tempo de trabalho de nossos representantes: segunda a sexta, oito horas por dia, um mês de férias.... Ah não?! E cá entre nós, com esse aumento, ainda permanecem os penduricalhos dos antigos rendimentos: auxílio moradia, auxílio paletó, auxílio viagens, combustível, manicure, pedicure, veterinário, que mais? Décimo terceiro salário, décimo quarto, décimo quinto... E a gente fica se perguntando: afinal, quantos meses tem o ano!

Mas talvez o problema esteja mesmo nessa imprensa ansiosa por novidades. Essas câmeras, holofotes e microfones da mídia, sempre indiscretos, os quais insistem em divulgar coisas que bem poderiam permanecer ocultas: cadeiras vazias, plenário vazio, gabinete vazio. Temas como mensalão, tráfico de influência e coisas que tais, melhor varrê-las para debaixo do tapete. Por que revelar ao país e ao mundo coisas que só nos envergonham!...Há tantos fatos e boatos que poderiam gerar manchetes bem mais picantes e sensacionalistas!

Mas onde foram parar as necessidades básicas, os direitos, as reformas, os apelos aos setores mais empobrecidos – tão fortes e veementes durante a campanha eleitoral?!... Bem, deve-se entender que há um hiato natural entre o antes e o depois das eleições. No antes, as portas da nave se abrem e os extra-terrestres se misturam aos simples terráqueos, em surpreendentes formas de amabilidade. No depois, as portas voltam a cerrar-se, e a vida segue em planos distintos.

Enfim, como ficamos? Bem, os eleitos, representantes legítimos e democráticos assumirão o comando da nave espacial, terão seus honorários e penduricalhos, defenderão com absoluta idoneidade os interesses da população brasileira... E quanto aos eleitores, bem, estes têm o mengão, o coringão, o campeão e uma porção de outros ãos. E, além disso, têm o bolsa família, o bolsa escola, o minha-casa-minha-vida, as obras do PAC, o sistema de quotas... Isto sem falar do Carnaval, da Copa do Mundo, das Olimpíadas... De fato a democracia no Brasil é mesmo uma beleza, como nunca antes na história desse país

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

NO DIA EM QUE VI DEUS

Autor: Frei Betto
Natal é a "despapainoelização" do espírito. É quando o coração torna-se manjedoura e, aberto ao outro, acolhe, abraça e acarinha.
Violenta-se quem faz da festa do Menino Jesus uma troca insana de mercadorias. Quantas ausências nesses presentes! Em pleno verão, nos trópicos, o corpo empanturra-se de nozes e castanhas, vinhos e carnes gordas, sem que se faça presente junto àqueles que, caídos à beira do caminho, aguardam um gesto samaritano.
Ainda criança, em Minas, aprendi com meus pais a depositar junto ao presépio a lista de meus sonhos.
Nada de pedidos a Papai Noel. No decorrer do advento, eu engordava a lista: a cura de um parente enfermo; um emprego para o filho da lavadeira; e a paz no mundo.
Meu pai insistia para que eu registrasse meus sonhos mais íntimos.
Aos 8 anos, escrevi: "Quero ver Deus". Minha mãe ponderou: "Não basta Nossa Senhora, como as crianças de Fátima?". Não, eu queria ver Deus Pai. Nem imagens dele eu encontrava nas igrejas, que exibem, de sobejo, ícones de Jesus e pombas que evocam o Espírito Santo.
Na tarde de 25 de dezembro, meus pais levaram-me a um hospital pediátrico. Distribuímos alegria e chocolate às crianças, vítimas de traumas ou tomadas pelo câncer e por outras enfermidades.
Fiquei muito impressionado com um menino de 6 anos, careca. Na saída, mamãe indagou-me: "Gostou de ver Deus?". Fiquei confuso: "Só vi crianças doentes", respondi. Então ela me ensinou que a fé cristã reconhece que todos os seres humanos são imagem e semelhança de Deus.
Por isso é tão difícil ver Deus. Pois não é fácil encarar a radical sacralidade de todo homem e de toda mulher. Aos poucos entendi que o modo de comemorar o Natal forma filhos  consumistas ou altruístas.
E descobri que Deus é tanto mais invisível quanto mais esperamos que Ele entre pela porta da frente.
Sorrateiro, Ele chega pelos fundos, via um sem-terra chamado Abraão; um revolucionário, de nome Moisés; um músico com fama de agitador, Davi; uma prostituta, Raab; um subversivo conhecido por Jeremias; um alucinado, Daniel; um casal de artesãos que, recusado em Belém, ocupa um pasto para trazer o Filho à vida: Maria e José. No Evangelho de Mateus (25, 31-46) Jesus identifica-se com quem tem fome e sede, é doente ou prisioneiro, oprimido ou excluído. Aqueles que para os "sábios" são a escória da sociedade, para Deus são os convidados ao banquete do reino. Desde então aprendi que *Natal é todo dia*, basta abrir-se ao outro e à estrela que, acima das mazelas deste mundo, acende a esperança de um futuro melhor.
Sonhar com um mundo em que o Pai Nosso transpareça na grande festa do pão nosso.
Pois quem reparte o pão partilha Deus.

sábado, 13 de novembro de 2010

Tiririca e o respeito à república

Em primeiro, é preciso dizer que não votei no Tiririca. Este é um ponto importante, para que se possa escrever o que segue.
Tiririca foi o candidato mais votado para deputado federal com 1,3 milhões de votos. O mais votado do Estado de São Paulo. Recentemente teve que fazer testes para comprovar se sabe ler e escrever. A polêmica começa nesta questão. Se há algum problema com o Tiririca candidato, deveria ter sido resolvido antes do pleito. Agora  que quase 1 milhão e meio de pessoas votaram nele, este assunto já deveria ter sido encerrado. Qualquer tentativa de anular o desejo deste grande número de cidadãos é golpe. Abre um sério precedente para a democracia. Portanto, não deveria haver mais qualquer tipo de dúvida sobre sua eleição.
Mais que isso. O personagem eleito na última eleição foi o Tiririca. Se perguntarmos, a qualquer um de seus eleitores, quem é o cidadão Aloísio Sérgio Rezende Silveira, certamente responderão que não sabem que é este tal Aloísio. Portanto, eleito foi o Tiririca. O personagem mais votato nesta eleição foi o "plahaço Tiririca" e não o Sr. Aloísio. Certamente, é desejo destes eleitores, que o Tiririca, o personagem, esteja presente em sua cadeira de deputado federal a partir de 2011. A presença do Sr. Aloísio, sem sua personagem Tiririca, poderia ser uma forma de falsidade ideológica. Os eleitores não votaram no Sr Aloísio. E, certamente, se ele tivesse se apresentado de cara limpa, sem portar seu personagem durante sua campanha, jamais teria sido eleito. Assim sendo, o eleito foi o Tiririca e não o Sr Aloisio. O Tiririca é que deve assumir sua cadeira em Brasília, caracterizado como Tiririca, pois é esta a vontade de seus eleitores.
Podem alegar que este foi um voto de protesto, até mesmo de imaturidade política, ou qualquer outro tipo de alegação. Pouco importa, a vontade do povo na eleição é soberana. Se o grito das urnas é um grito de protesto, que seja, deve ser ouvido. A presença do palhaço na Câmara Federal deverá ser uma marca, para que todos os seus ocupantes se lembrem, a cada dia, de que o povo pode sim se rebelar. Que o povo está cansado das 'palhaçadas' feitas por aqueles que vestem terno e gravata e se apresentam como pessoas sérias, mas não impedem que o legislativo tenha se transformado num grande circo. A presença de Tiririca, em suas vestes de palhaço, fazendo um 'discurso' em uma sessão solene deve ser a imagem da lembrança de que, ou os ocupantes destas cadeiras respeitam o povo e esta nação, ou esta nação irá constantemente desmoralizar seus ocupantes, sempre que puder, pelo voto.
Por fim, é melhor ter um cidadão, vestido de palhaço como deputado federal, do que todos os cidadãos brasileiros se sentirem verdadeiros palhaços nas mãos dos péssimos políticos que ocuparam estas cadeiras para enganar, corromper, roubar dinheiro público, e abandonar às traças toda a nação. O voto no palhaço tem um simbolismo, e por isso precisa ser respeitado. E não venham os eternos deputados, que já estão nesta casa federal por muitos mandatos, dizer que isso vai contra o decoro parlamentar. Contra ao decoro parlamentar não é a presença do palhaço mais votado nesta eleição. Contra o decoro é roubar o dinheiro público, é ser incapaz de trabalhar a serviço do povo.... e outras tantas atitudes que buscam apenas garantir o bem pessoal, em detrimento do bem público... Que a presença do palhaço no poder legislativo seja o fim das palhaçadas na política brasileira....

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

GRANDEZA DE ÂNIMO

D. Demétrio Valentini


A hora é de magnanimidade. O momento é de respeitar, relevar, e perdoar. Todos convidados para a grandeza de ânimo. Publicados os resultados das eleições, urge festejar a democracia. Por mais frágil que tenha se mostrado durante a campanha, ela acabou se fortalecendo com esta eleição. Podemos fortificá-la mais ainda, se soubermos levar adiante as muitas lições que esta campanha nos deixa. Quem dá o exemplo é Dilma Rousseff, a candidata eleita Presidente do Brasil. Em seu discurso de domingo à noite, logo após a publicação dos resultados, disse textualmente: “ Dirijo-me também aos partidos de oposição e aos setores da sociedade que não estiveram conosco nesta caminhada. Estendo minha mão a eles.” Estas palavras têm mais força do que todas as injúrias e difamações que a candidata recebeu durante a campanha. Tornam ainda mais expressiva sua vitória. A nobre atitude do perdão, precisa vir acompanhada da lúcida constatação dos fatos, e dos desafios que eles nos apresentam. Na verdade, a candidata Dilma Rousseff precisou enfrentar uma avalanche enorme de obstáculos, desencadeados, sobretudo pela carga de preconceitos, cuja virulência surpreendeu, e mostrou quanto a sociedade brasileira ainda está impregnada de resíduos tóxicos da ditadura militar. O fato de uma candidata ter sido vítima da truculência do regime ditatorial, em vez de servir de oportunidade para lavar a honra de todos os que foram presos arbitrariamente pela ditadura, acabou dando o pretexto para muitos se acharem no direito de vestirem a carapuça de torturadores, e descarregarem sobre a candidata o ódio destilado nos porões do regime militar. Esta pesada constatação nos coloca um grande desafio. Muitos assim pensam e fazem sem terem culpa das motivações equivocadas que movem seus preconceitos. Não sabem o que foi a ditadura militar. A anistia foi pactuada. Mas de novo se comprova que ela não pode prescindir da memória histórica, que precisa ser cultivada e trabalhada, para que toda a sociedade, conscientemente, erradique no seu nascedouro as sementes da ditadura, que foram plantadas com eficácia pelo regime militar. Caso contrário, elas continuam germinando, e produzindo seus frutos maléficos. A Escola precisa ensinar a verdadeira história da ditadura militar. Este trabalho só pode ser feito com sucesso, se vier acompanhado da garantia do perdão e da superação de todo e qualquer tipo de vingança. De novo, as circunstâncias apelam para a grandeza de ânimo, que não significa timidez ou subserviência. O exercício da cidadania, em tempos de campanha eleitoral, precisa levar em conta as circunstâncias de cada um. O que se pede de todos é o voto. Mas existe largo espaço de atuação, visando fornecer critérios para o discernimento dos eleitores. Atendendo ao apelo de minha consciência, também procurei dar minha pequena contribuição. Agradeço as milhares de manifestações, públicas ou particulares, que expressaram sua concordância com as ponderações que fui fazendo cada semana, ao longo da campanha. Agradeço também aos que sensatamente ponderaram suas divergências, às quais procurei responder com respeito e atenção. Por outro lado, recebi também algumas furiosas contestações, e alguns ataques de caráter pessoal, carregados de ódio, e revestidos da presunção de seus autores de se julgarem os justiceiros da ira divina, para condenarem ao inferno todos os seus desafetos. Pela exorbitância de suas acusações, devo avisá-los que mereceram destino menos solene que o inferno. De modo que ainda podem contar com meu perdão. Além do mais, não me preocupo com julgamentos humanos. Como Davi, também prefiro mil vezes cair nas mãos de Deus, do que ser julgado pela justiça humana. Mas o resultado dessas eleições nos convida a tirar muitas outras lições, que, estas sim, nos motivam a deixar de lado condenações ou represálias, e contribuir com tudo o que estiver ao nosso alcance para levar em frente a nobre tarefa de construirmos juntos um Brasil justo e solidário.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Lama no Ventilador

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

O título lembra outro, bem mais popular, mas também mais chulo. De qualquer modo, com uma ou outra maneira de falar, a expressão remete à maré de mensagens e contra-mensagens que vem sendo veiculada pela Internet sobre a temática religião e eleições. Pessoas individuais de renome, grupos mais ou menos representativos, instituições conhecidas e internautas anônimos - todos juntos produzem uma avalanche estonteante de notas, e-mails, acusações, defesas, apelos... Uma montanha de informações e contra-informações jogada diariamente na praça pública da Internet. A ponto de não mais sermos capazes de discernir o oficial do oficioso, o certo do errado, o ético do antiético, o lixo do reciclável.

Entre os defensores de Dilma Rousself, por um lado, e de José Serra, por outro, torna-se difícil distinguir de onde vem mais peso e mais poluição. Ambos os lados expressam, antes de tudo, uma ansiedade mórbida em desqualificar a todo custo o opositor ou opositora. Nessa guerra, que insistimos em chamar de processo eleitoral, entra-se sem escrúpulos na vida particular, fabricam-se factóides sobre factóides, exageram-se dados e obras realizadas, compara-se o governo FHC com o governo Lula... O fato é que a quantidade de informações se avoluma, sem que seja possível decidir o que é falso do que é verdadeiro.

Como fica o eleitor? Como separar o joio do trigo? O que existe efetivamente por trás desse afã de reduzir a escombros a estátua política do adversário ou adversária? Por que essa ânsia de jogar lama sobre a história e os feitos da outra coligação, preservando a própria de qualquer tipo de ato-crítica? Como acumular elementos para uma decisão consciente e madura? Felizmente, ainda é pequena, embora crescente, a porcentagem de cidadãos que se rege pelas dicas da Internet. Mas, infelizmente, tudo isso respiga para a televisão, o rádio e os jornais. De toda essa cacofonia virtual resulta uma verdadeira caricatura, seja do candidato ou candidata, seja do pleito como tal. A dificuldade de chegar aos fatos é diretamente proporcional à montanha de boatos que vão se avolumando.

Sem sombra de dúvida, estamos diante de uma questão falsa ou de um pseudo-problema. Não apenas por reduzir a defesa da vida ao combate ao aborto ou à famosa frase "desde a concepção até a morte natural". Na verdade a vida está ameaçada não somente no ventre materno, mas também, e às vezes com maior grau de violência, nas ruas e praças de nossas cidades; nos morros, favelas e periferias das grandes metrópoles, na tortura oculta no interior das unidades do sistema prisional; no tráfico de armas, droga e de seres humanos; no trabalho escravo, degradante e infantil; na miséria, fome e subnutrição de milhões de crianças que, por todo o mundo, convivem com o luxo e o desperdício; na inviolabilidade do lar, onde mulheres e crianças suportam anos a fio de uma violência silenciosa e silenciada, no extermínio de jovens entre 15 e 25 anos, seja por parte da polícia, seja na luta das gangues pelos pontos de tráfico... Sem falar de guerras, conflitos armados, violência aberta, acidentes de trânsito e de trabalho, atropelamentos, e assim por diante.

Há mais uma razão, entretanto, para classificar essa baixaria da campanha eleitoral de pseudo-problema. Tenho insistido, e repito, que no pleito de 2010 não estamos diante de uma disputa entre dois projetos de nação, e sim entre duas maneiras de governar o mesmo projeto. Uma rápida retrospectiva das décadas de 1980-90, mostra uma disputa entre um "projeto popular para o Brasil", por uma parte, e um "projeto liberal/neoliberal", por outra. Enquanto o primeiro, com raízes históricas de longa data, é representando nessas décadas pelo Partido dos Trabalhadores e pela figura de Lula, o segundo também tem raízes no tempo da Colônia e, mais recentemente, é incorporado por políticos como José Sarney, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Fernando Collor. De fato, o programa do PT e de Lula não surgiu como um meteoro, mas mergulha seu alicerce e suas motivações nas lutas, movimentos e iniciativas populares dos últimas 50 anos.

A vitória de Lula em 2002, porém, significou uma virada do jogo. O projeto popular foi preterido em favor de uma administração lulista do projeto neoliberal. Três razões levaram a isso: a) primeiro, as expectativas da eleição de um migrante-operário a Presidente da República estavam muito acima das forças reais de organização popular. Havia uma disparidade entre tais expectativas e a capacidade efetiva de mobilizar a população. O voto no Lula, mais do que uma decisão consciente, representou um "voto de transferência". O cidadão transfere o exercício da cidadania para seu representante político. É um dos males da democracia representativa; b) em segundo lugar, diante desse desencontro entre expectativas e forças vivas, Lula escreve uma carta endereçada ao povo brasileiro, mas dirigida ao mercado financeiro nacional e internacional, no sentido de g arantir que o Brasil honraria com todos os seus compromissos. Trata-se de aplacar o medo de mudanças drásticas; c) por fim, Lula precisava governar: fez então uma aliança onde entraram em jogo os setores mais diversos da sociedade brasileira. Ao invés de contar com as forças sociais, Lula buscou apoio à direita e à esquerda, incluindo tradicionais oligarquias, historicamente retrógradas e avessas a qualquer tipo de mudança.

Começa então o jeito Lula de governar. Pouco mexe no vespeiro das oligarquias há tempo assentadas no poder, e que no fundo comandam o Estado (bancada ruralista, setor financeiro, tele-comunicações, indústria, empreiteiras, agronegócio, etc.), mas abre algumas janelas para os pobres (bolsa-família, micro-crédito, cotas para universidade, aumento do salário mínimo, obras do PAC, etc.). Ou seja, procura contentar os dois extremos: por um lado, o topo da pirâmide formado pelas famílias mais ricas do país; por outro, a base da pirâmide, onde se encontram as camadas C e D da população. A classe média, se é que existe isso no Brasil, se vê pressionada de todos os lados, especialmente pelo volume de impostos. Tudo isso temperado com boa dose de populismo, personalismo, centralismo e outros "ismos". Pai dos pobres e mãe dos ricos? Getulismo reciclado? São avaliações possíveis! Mas talvez se deva estudar mais de perto o "lulismo", como já o fazem alguns analistas.

Decorre daí que em 2010 José Serra e Dilma Rousself representam duas maneiras de levar adiante o modelo neoliberal brasileiro, de um país periférico ou emergente, como se queira. Uma dessa maneiras de governar certamente seguirá com as janelas abertas aos mais pobres, embora seja difícil chamar isso de políticas públicas. Mais parecem ensaios provisórios que ganharam caráter definitivo. A outra maneira de governar segue sendo uma incógnita a esse respeito. Cortar esses benefícios pontuais seria um tiro no pé! O ponto mais grave talvez esteja no programa de aprofundamento das privatizações, se bem que o governo Lula também não deixou de privatizar (concessão de estradas, por exemplo).

Concluindo, é difícil ver rupturas tão substanciais de FHC a Lula e deste ao próximo presidente. Há mudanças secundárias, sem dúvida, mas o núcleo do modelo permanece intocável. Aliás, as ondas de transformações superficiais muitas vezes escondem a continuidade das correntes subterrâneas, na economia, na política e na ação social. Numa palavra, não vejo motivo para jogar tanta lama no ventilador e, com isso, ofuscar mais do que elucidar os verdadeiros problemas da nação. Reduz-se a discussão eleitoral a uma troca de farpas que acentua a miopia nacional, ao invés colocar sobre a mesa os temas relevantes do destino do destino do país. A pauta se empobrece e, em lugar de luz para enxergar o caminho, o povo se vê diante de uma fumaça enganadora.

No atual momento, é quase impossível reverter os estragos feitos pelo ventilador da Internet e dos meios de comunicação social em geral. Multiplicar notas, desculpas ou esclarecimentos parece que só faz aumentar a confusão. Não é isso o que se espera de um debate sério e robusto como requer o processo eleitoral. Onde estão temas como preservação do meio ambiente, reforma agrária e agrícola, sistema público de saúde, transportes de qualidade, extensão da malha ferroviária, marco da educação, alternativas energéticas, propostas de reciclagem, combate à violência no campo e na cidade, ciência e tecnologia, bioética e engenharia genética - entre tantos outros!?...

domingo, 17 de outubro de 2010

Declaração dos bispos do Regional Sul 1 sobre as Eleições


Os bispos católicos do Regional Sul 1 da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), do Estado de São Paulo, em sintonia com a DECLARAÇÃO SOBRE O MOMENTO POLITICO NACIONAL, da 48ª Assembleia Geral da Conferência (Brasília, maio de 2010), esclarecem que não indicam nem vetam candidatos ou partidos e respeitam a decisão livre e autônoma de cada eleitor.
O Regional Sul 1 da CNBB desaprova a instrumentalização de suas Declarações e Notas e enfatiza que não patrocina a impressão e a difusão de folhetos a favor ou contra candidatos.
Reafirma, outrossim, as orientações quanto a critérios e princípios gerais a serem levados em conta no discernimento sobre o momento político, já oferecidos pela 73ª Assembleia Geral do Regional Sul 1 (Aparecida, junho de 2010), expressos na Nota VOTAR BEM.
Recomenda, enfim, a análise serena e objetiva das propostas de partidos e candidatos, para que as eleições consolidem o processo democrático, o pleno respeito aos direitos humanos, a justiça social, a solidariedade e a paz entre todos os brasileiros.
Indaiatuba (Itaici), SP, 16 de outubro de 2010.

Dom Nelson Westrupp - Presidente do Conselho Episcopal Regional Sul 1e Bispos do Regional Sul 1
(fonte: http://cnbbsul1.org.br/index.php?link=news/read.php&id=5809)

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

MANIFESTO DOS CRISTÃOS PARA 2º TURNO PRESIDÊNCIA

Manifesto de Cristãos e cristãs evangélicos/as e católicos/as em favor da vida em Abundância!

"Se nos calarmos, até as pedras gritarão!"

Somos homens e mulheres, ministros, ministras, agentes de pastoral, teólogos/as, padres, pastores e pastoras, intelectuais e militantes sociais, membros de diferentes Igrejas cristãs, movidos/as pela fidelidade à verdade, vimos a público declarar:

1. Nestes dias, circulam pela internet, pela imprensa e dentro de algumas de nossas igrejas, manifestações de líderes cristãos que, em nome da fé, pedem ao povo que não vote em Dilma Rousseff sob o pretexto de que ela seria favorável ao aborto, ao casamento gay e a outras medidas tidas como "contrárias à moral".

A própria candidata negou a veracidade destas afirmações e, ao contrário, se reuniu com lideranças das Igrejas em um diálogo positivo e aberto. Apesar disso, estes boatos e mentiras continuam sendo espalhados. Diante destas posturas autoritárias e mentirosas, disfarçadas sob o uso da boa moral e da fé, nos sentimos obrigados a atualizar a palavra de Jesus, afirmando, agora, diante de todo o Brasil: "se nos calarmos, até as pedras gritarão!" (Lc 19,40).

2. Não aceitamos que se use da fé para condenar alguma candidatura. Por isso, fazemos esta declaração como cristãos, ligando nossa fé à vida concreta, a partir de uma análise social e política da realidade e não apenas por motivos religiosos ou doutrinais. Em nome do nosso compromisso com o povo brasileiro, declaramos publicamente o nosso voto em Dilma Rousseff e as razões que nos levam a tomar esta atitude:

3. Consideramos que, para o projeto de um Brasil justo e igualitário, a eleição de Dilma para presidente da República representará um passo maior do que a eventualidade de uma vitória do Serra, que, segundo nossa análise, nos levaria a recuar em várias conquistas populares e efetivos ganhos sócio-culturais e econômicos que se destacam na melhoria de vida da população brasileira.

4. Consideramos que o direito à Vida seja a mais profunda e bela das manifestações das pessoas que acreditam em Deus, pois somos à sua Imagem e Semelhança. Portanto, defender a vida é oferecer condições de saúde, educação, moradia, terra, trabalho, lazer, cultura e dignidade para todas as pessoas, particularmente as que mais precisam. Por isso, um governo justo oferece sua opção preferencial às pessoas empobrecidas, injustiçadas, perseguidas e caluniadas, conforme a proclamação de Jesus na montanha (Cf. Mt 5, 1- 12).

5. Acreditamos que o projeto divino para este mundo foi anunciado através das palavras e ações de Jesus Cristo. Este projeto não se esgota em nenhum regime de governo e não se reduz apenas a uma melhor organização social e política da sociedade. Entretanto, quando oramos "venha o teu reino", cremos que ele virá, não apenas de forma espiritualista e restrito aos corações, mas, principalmente na transformação das estruturas sociais e políticas deste mundo.

6. Sabemos que as grandes transformações da sociedade se darão principalmente através das conquistas sociais, políticas e ecológicas, feitas pelo povo organizado e não apenas pelo beneplácito de um governante mais aberto/a ou mais sensível ao povo. Temos críticas a alguns aspectos e algumas políticas do governo atual que Dilma promete continuar. Motivo do voto alternativo de muitos companheiros e companheiras. Entretanto, por experiência, constatamos: não é a mesma coisa ter no governo uma pessoa que respeite os movimentos populares e dialogue com os segmentos mais pobres da sociedade, ou ter alguém que, diante de uma manifestação popular, mande a polícia reprimir. Neste sentido, tanto no governo federal, como nos estados, as gestões tucanas têm se caracterizado sempre pela arrogância do seu apego às políticas neoliberais e pela insensibilidade para com as grandes questões sociais do povo mais empobrecido.

7.Sabemos de pessoas que se dizem religiosas, e que cometem atrocidades contra crianças, por isso, ter um candidato religioso não é necessariamente parâmetro para se ter um governante justo, por isso, não nos interessa se tal candidato/a é religioso ou não. Como Jesus, cremos que o importante não é tanto dizer "Senhor, Senhor", mas realizar a vontade de Deus, ou seja, o projeto divino. Esperamos que Dilma continue a feliz política externa do presidente Lula, principalmente no projeto da nossa fundamental integração com os países irmãos da América Latina e na solidariedade aos países africanos, com os quais o Brasil tem uma grande dívida moral e uma longa história em comum. A integração com os movimentos populares emergentes em vários países do continente nos levará a caminharmos para novos e decisivos passos de justiça, igualdade social e cuidado com a natureza, em todas as suas dimensões. Entendemos que um país com sustentabilidade e desenvolvimento humano – como Marina Silva defende – só pode ser construído resgatando já a enorme dívida social com o seu povo mais empobrecido. No momento atual, Dilma Rousseff representa este projeto que, mesmo com obstáculos, foi iniciado nos oito anos de mandato do presidente Lula. É isto que está em jogo neste segundo turno das eleições de 2010.
Com esta esperança e a decisão de lutarmos por isso, nos subscrevemos:



(segue mais de uma centena de assinaturas)

A vida é mais complicada. É preciso amadurecer

Estamos em tempos de muita reflexão. Já é sabido, pela história, que não se faz boa política misturando, de forma irresponsável, religião e política. Há um grande risco de uma instrumentalizar a outra. O que não quer dizer que o homem de fé não deva ter posições firmes e aguerridas em defesa da dignidade humana. Porém, esta postura, não pode ser irresponsável, nem ser pautada pela crítica que se repete sobre uma nota só.
A triste opção, que conduziu o aborto, ao centro das discussões no primeiro turno, foi uma atitude irresponsável, falsa e utilitarista.
Exatamente aqueles que sempre ecoaram que religião não deveria "fazer" política, levantaram uma bandeira que buscava seduzir para enganar. Criou-se um verdadeiro simulacro. E neste sentido, esvasiou-se o debate político. Corre-se o risco de, seja qual for o eleito, não se ter clareza de seu verdadeiro plano de ação para o País.
Aproveitaram-se alguns, da consciência cristã em defesa do nascituro, para impor seu objetivo escuso de derrubar um dos candidatos à presidência. O tema dos debates, as manchetes de jornais concentraram-se neste fato. Esqueceu-se que este é um País que ainda tem fome. Já não faz parte do debate político nem a educação, nem a moradia, muito menos a cultura. A saúde foi sacrificada ao tema único, tratado como objeto e bandeira, o que é uma difamação ao próprio tema. A vulgariação do debate sobre o aborto, reduziu sua complexidade ao "sou contra" ou "sou a favor". Esta é mais uma página que merecerá muita reflexão no futuro. Pois a vida não é simples. Muitos líderes importantes, até mesmo da própria Igreja, que apoiaram esta vulgarização e estandardização do tema esqueceram os melhores princípios da Doutrina Social da Igreja.
Pena. Independente do resultado do segundo turno das eleições, já pode-se contabilizar grandes perdar nesta caminhada que vivenciamos. Voltamos à uma espécie de idade média, à caça às bruxas. A fé foi instrumentalizada em função de um resultado eleitoral. Fomos relembrados o quanto, nestas horas, agimos como crianças, incapazes de refletir além dos conceitos duplos: bem e mal, preto e branco, claro e escuro. A consciência parece retroceder à tempos antigos, e não somos capazes de conviver com os diversos matizes de cinza que há entre preto e o branco. Não se quer ver a multiplicidade de sombras que há entre o claro e o escuro.
Retrocedemos. O humano do século XXI tem se infantilizado. Falta-nos uma reflexão capaz de desenvolver as consciências para além do amém e do aleluia. A vida é complexa.

No segundo tempo a bola vai rolar elegantemente pelo gramado e balançar a rede, é goool do Brasil..

Desde que fiquei sabendo das candidaturas à Presidência da República, tive uma só atitude: não quero subestimar nenhum dos(as) candidatos(as), pois não sou melhor do que ninguém, e muito menos dono da verdade.
Pensava: aquele(a) que ganhar fará o melhor pelo nosso Brasil, pois irá se assessorar de pessoas competentes e honestas, e basta.
Passados alguns dias, iniciaram as propagandas eleitorais Subitamente, a minha caixa de correio foi tomada por uma “avalanche” de e-mails contra uma candidata apenas, a Dilma Roussef. Preciso dizer com todas as palavras, que fiquei indignado.
É importante dizer que logo que saiu a lista dos candidatos eu fiz a minha escolha.
Mas o fato de ver diariamente o “tsunami” de “denúncias” contra esta candidata, na minha caixa de correio, revelando total falta de respeito para comigo e também para com a candidata, levou-me a refletir e a pesquisar. Perguntava-me: por que somente contra ela? Devo ser honesto e afirmar que não recebi nenhuma “matéria” contra qualquer outro(a) candidato(a).
A reflexão levou-me até Jesus Cristo, que um dia disse: “Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra” (Jo 8,7).
Por que estão jogando pedras só na Dilma? Em 1Jo 1,10 está escrito: “Quem diz não ter pecados, faz a Deus de mentiroso”. Conclusão: Os que jogam pedras não têm pecados. Eis o grande problema. Estão tomando o lugar de Deus. Mas Ele mesmo, não tendo pecado, não jogou pedras na pecadora. Isto é muito sério. Na verdade quem joga pedras está negando Deus. E o saudoso Beato, Papa João XXIII, que nos chamou a todos, através do Concílio Vaticano II, a sermos uma Igreja misericordiosa e aberta aos novos valores, deixando o ranço de lado, pelo sopro Vivificante do Espírito Santo, disse: “A pessoa que deixa Deus de lado, se torna perigosa para si e para as outras pessoas”.
E agora? A conversão é graça de Deus para pessoas abertas a Sua Misericórdia. “Os misericordiosos, alcançarão misericórdia” (Mt 5, 7) Mas as pessoas auto-suficientes, donas da verdade, prepotentes, por isso sempre prontas a jogar pedras nos outros, estão muito longe de “ Deus, que é Amor” (1Jo 4,8).
Assim, concluí: Todos somos pecadores, mas uma só pessoa está levando pedradas nesta campanha eleitoral à presidência do Brasil. Aí, eu que já havia escolhido o meu candidato, fiz uma nova escolha. Decidi, diante de Deus, que esta mulher apedrejada é a minha candidata para presidir o Brasil. Tem também um velho ditado popular que diz: “Só se atira pedras em árvores que dão frutos bons”. E pesquisando descobri que esta candidata, enquanto ministra, produziu muito e bons frutos.
Procurei me aprofundar mais no conhecimento da minha candidata. Descobri que é uma mulher honrada e séria. Arriscou sua vida, durante a ditadura militar, da tirania do poder que oprime, tortura e mata. Sim, a Dilma foi presa e torturada por querer um Brasil democrático, fraterno, solidário, com vida e dignidade para todas as pessoas e não somente para algumas.
Então pensei: é exatamente isto que o Pai do Céu quis e continua querendo para todas as pessoas. Esta questão somou vários pontos para a candidata.
Nosso saudoso e amado Dom Helder Câmara dizia: “Quando reparto o meu pão com os pobres, me chamam de santo, mas quando pergunto pelas causas da pobreza, me chamam de comunista”.
Até hoje, as pessoas verdadeiramente comprometidas com um pais mais justo e igualitário, e para isso precisa de projetos sérios de transformação, continuam sendo taxadas assim. Algumas pessoas, por incrível que pareça, em pleno século XXI, ainda conseguem meter medo numa certa camada da população com este jargão.
Analisei também o desempenho da candidata quando era funcionária no governo estadual e federal. Os frutos bons são abundantes, especialmente para os menos favorecidos. Sim, saiu-se muito bem. Mais um ponto para ela.
Percebi também que, levando pedradas, não retribuía, e isto está de acordo com o Evangelho. Mais um ponto para a Dilma.
Comecei a analisar as suas palavras, idéias e projetos. Uma mulher inteligente, sábia, abnegada, perspicaz e atualizada. Outro ponto para esta mulher.
Também fui apurar as “denúncias” que enchiam a minha caixa de correio. Descobri montagens falsas, mentiras e calúnias. Aí novamente lembrei-me de Jesus que disse: “O diabo é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8,44).
Não tive mais dúvidas, é na Dilma que irei votar, independentemente de partido político.
Ninguém pode galgar degraus pisando nos outros. Isto não é nem humano, muito menos cristão.
Quem deseja servir o povo, precisa jogar limpo. Pessoa religiosa não é a que fica dizendo Senhor, Senhor... mas aquela que faz a vontade de Deus. E a vontade de Deus é “que todos tenham vida e a tenham plenamente” (Jo 10,10).
A vontade de Deus é que todas as pessoas vivam como irmãos e irmãs, no respeito à vida de todos os seres. Descobri que a candidata Dilma tem este desejo profundo. Aliás, é o seu grande sonho que, juntamente com todo o povo, quer tornar realidade.
No domingo à noite, dia 10 de outubro, assisti ao debate promovido pela BAND. Um dos dons que Deus me concedeu foi o de conhecer as pessoas pelos seus olhos. Não costumo revelar o que vejo e sinto para todas as pessoas
Durante o debate meus ouvidos estavam atentos às palavras dos candidatos, mas meus olhos foram atraídos para a expressão da sua face e a delicadeza do seu olhar.
Percebi duas atitudes muito interessantes: 1)Sua face estava sempre serena e seu leve sorriso não era forçado e nem transmitia falsidade. 2)Seus olhos, que são espelhos de sua alma, transmitiam segurança, confiança, ternura e sinceridade. Estas qualidades agregaram mais alguns pontos a Dilma.
Como nós precisamos destas atitudes que na verdade são qualidades e dons de Deus! Dilma você passou pelo gelo da dor, tantas vezes, e por isso chegou ao incêndio do verdadeiro amor que vem do alto.
Nosso saudoso e amado Dom Luciano Mendes de Almeida dizia: “a bondade rompe todas as barreiras”. Avante minha irmã. Deus está com você. Cuide-se! Continue sendo bondosa e a confiar nas suas assessorias. Mas mantenha, discretamente, o controle de tudo para evitar desgostos e desgastes maiores e desnecessários, pois somos todos passíveis de erros. Mantenha-se sempre alerta e busque momentos de descanso na oração silenciosa para que Deus, que é Pai e tem a ternura da Mãe, lhe fale ao coração, plenificando-o de alegria e coragem. Dom Angélico, meu grande amigo e irmão, sempre diz: “Quem não reza vira monstro”.
Dilma, desculpe eu falar abertamente que não iria votar em você. Busco ser sincero como você. Mas tenha certeza de que continuarei a pedir a Deus que a ilumine e abençoe, chegando ou não à Presidência. Não estou falando em nome da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mas como cidadão e como Bispo da Igreja Católica, santa e pecadora, que deseja o melhor para o Povo de Deus.
Pessoalmente creio que é esta a hora de uma mulher experiente, honesta e competente, como você, chegar lá e continuar a fazer deste país, uma nação que defenda e proteja a vida de todos(as), desde a concepção até a morte natural.
Sim, neste segundo tempo a bola vai rolar elegantemente pelo gramado e balançar a rede!

Caçador, 12 de outubro de 2010 (solenidade de N.Sra.Aparecida. Padroeira do Brasil)

Dom Luiz C. Eccel
Bispo Diocesano de Caçador

Declaração sobre o Momento Político Nacional Nota da Comissão Brasileira Justiça e Paz

O MOMENTO POLÍTICO E A RELIGIÃO

Amor e Verdade se encontrarão. Justiça ePaz se abraçarão (Salmo 85)

A Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP) está preocupada com o momento político
na sua relação com a religião. Muitos grupos, em nome da fé cristã, têm criado dificuldades para o voto livre e consciente. Desconsiderama manifestação da presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil de 16 de setembro, “ Na proximidade das eleições”, quando reiterou a posição da 48ª Assembléia Geral da entidade, realizada neste ano em Brasília.
Esses grupos continuaram, inclusive, usando o nome da CNBB, induzindo erroneamente os fiéis a acreditaremqueela tivesse impostovetoa candidatos nestas eleições. Continua sendo instrumentalizada eleitoralmente a nota da presidência do Regional
Sul 1 da CNBB, fato que consideramos lamentável, porque tem levado muitos católicos a se afastaremde nossas comunidades e paróquias. Constrangem nossa consciência cidadã, como cristãos, atos, gestos e discursos que ferem a maturidade da democracia, desrespeitam o direito de livre decisão, confundindo os cristãos e comprometendo a comunhão eclesial.
Os eleitores têm o direito de optar pela candidatura à Presidência da República que
sua consciência lhe indicar, como livre escolha, tendo como referencial valores éticos e os princípios da Doutrina Social da Igreja, como promoção e defesa da dignidade da pessoa humana, com a inclusão social de todos os cidadãos e cidadãs, principalmente dos empobrecidos.
Nesse sentido, a CBJP,emparceriacomoutras entidades, realizou debate, transmitido
por emissoras de inspiração cristã, entre as candidaturas à Presidência da Republica no intento de refletir os desafios postos ao Brasil na perspectiva de favorecer o voto consciente e livre. Igualmente, co-patrocinou um subsídio para formação da cidadania, sob o título: “Eleições 2010: chão e horizonte”.
A Comissão Brasileira Justiça e Paz, nesse tempo de inquietudes, reafirma os valores e princípios que norteiam seus passos e a herança de pessoascomoDomHelderCâmara,Dom Luciano Mendes, Margarida Alves, Madre Cristina, Tristão de Athayde, Ir. Dorothy, entre tantos outros. Estes, motivados pela fé, defenderama liberdade, quando vigorava o arbítrio; a defesa e o anúncio da liberdade de expressão, em tempos de censura; a anistia, ampla, geral e irrestrita, quando havia exílios; a defesa da dignidade da pessoa humana, quando se
trucidavam e aviltavam pessoas.
Compartilhamos a alegria da luz, em meio a sombras, com os frutos da Lei da Ficha
Limpa como aprimoramento da democracia. Esta Lei de Iniciativa Popular uniu a sociedade e sintonizou toda a igreja com os reclamos de uma política a serviço do bem comum e o zelo pela justiça e paz.

Brasília, 06 de Outubro de 2010.

Comissão Brasileira Justiça e Paz,
Organismo da CNBB

Nota da CNBB em relação ao momento eleitoral

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, por meio de sua Presidência, congratula-se com o Povo Brasileiro pelo exercício da cidadania na realização do primeiro turno das eleições gerais, quando foram eleitos os representantes para o Poder Legislativo e definidos os Governadores de diversas unidades da Federação, bem como o nome daqueles que serão submetidos a novo escrutínio em 2º turno, para a Presidência da República e alguns governos estaduais e distrital.
A CNBB congratula-se também pelos frutos benéficos decorrentes da aprovação da Lei da Ficha Limpa, que está oferecendo um novo paradigma para o processo eleitoral, mesmo se ainda tantos obstáculos a essa Lei tenham de ser superados. Entretanto, lamentamos profundamente que o nome da CNBB - e da própria Igreja Católica tenha sido usado indevidamente ao longo da campanha, sendo objeto de manipulação. Certamente, é direito e, mesmo, dever de cada Bispo,em sua Diocese, orientar seus próprios diocesanos, sobretudo em assuntos que dizem respeito à fé e à moral cristã. A CNBB é um organismo a serviço dacomunhãoedodiálogo entre os Bispos, de planejamento orgânico da pastoral da Igreja no Brasil, e busca colaborar na edificação de uma sociedade justa, fraterna e solidária.
Neste sentido, queremos reafirmar os termos da Nota de 16.09.2010, na qual
esclarecemos que “falam em nome da CNBB somente a Assembléia Geral, o Conselho
Permanente e a Presidência”. Recordamos novamente que, da parte da CNBB, permanece
como orientação, neste momento de expressão do exercício da cidadania em nosso País, a Declaração sobre o Momento Político Nacional aprovada este ano em sua 48ª Assembléia Geral.
Reafirmamos, ainda, que a CNBB não indica nenhum candidato, e recordamos que a
escolha éum ato livre e consciente de cada cidadão. Diante de tão grande responsabilidade, exortamos os fiéis católicos a terem presentes critérios éticos, entre os quais se incluem especialmente o respeito incondicional à vida, à família, à liberdade religiosa e à dignidade humana.
Confiando na intercessão de Nossa Senhora Aparecida, invocamos as bênçãos de
Deus para todooPovoBrasileiro.

Brasília, 08 de outubro de 2010

Dom Geraldo Lyrio Rocha Dom Luiz Soares Vieira
Arcebispo de Mariana Arcebispo de Manaus
Presidente da CNBB Vice-Presidente da CNBB

Dom Dimas Lara Barbosa
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro
Secretário Geral da CNBB

Posição da Comissão de Justiça e Paz da CNBB Regional Sul 3

A Comissão de Justiça e Paz da CNBB Regional Sul 3 (CJP/RS) em sintonia com a Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP) e, em apoio a Nota da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) sobre o momento eleitoral, vem a público manifestar a sua posição emrelação ao pleitoquese avizinha.
Para tanto, ue os eleitores e as eleitoras têm o direito de optar pela candidatura à Presidência da República que sua consciência lhe indicar, com livre escolha, tendo como referencial os valores éticos e os princípios da Doutrina Social da Igreja, a promoçãoe a defesa da dignidade da pessoa humana,coma inclusão social de todos os cidadãos e cidadãs, principalmente dos empobrecidos.
Repudiamos com veemência, a manipulação e a instrumentalização eleitoral que sendo feitas da Religião, de modo pontual, oportunista e com a clara intenção de confundir o eleitor e a eleitora, ferindo assim a plena maturidade dademocracia.

CNBB - Regional Sul 3
Comissão de Justiça e Paz

quinta-feira, 20 de maio de 2010

sobre acordos com o Iran --- Jornal do Brasil, 19 de maio de 2010 . . .

O IMPÉRIO  MANDA, AS COLÔNIAS OBEDECEM


Frei Betto e João Pedro Stédile
  Após a Segunda Guerra Mundial, quando as forças aliadas saíram vitoriosas, o governo dos EUA tentou tirar o máximo proveito de sua vitória militar. Articulou  a Assembléia das Nações Unidas dirigida por um Conselho de Segurança integrado pelos sete países mais poderosos, com poder de veto sobre as decisões dos demais.  Impôs o dólar como moeda internacional, submeteu a Europa ao Marshall, de subordinação econômica, e instalou mais de 300 bases militares na Europa e na Ásia, cujos governos e mídia jamais levantam a voz contra essa intervenção branca.   O mundo inteiro só não se curvou à Casa Branca porque existia a União Soviética para equilibrar a correlação de forças. Contra ela,  os EUA travaram uma guerra sem limites, até derrotá-la política, militar e ideologicamente.    A partir da década de 90, o mundo ficou sob hegemonia total do governo e do capital estadunidenses, que passaram a impor suas decisões a todos os governos e povos, tratados como vassalos coloniais.Quando tudo parecia calmo no império global, dominado pelo Tio Sam, eis que surgem resistências.   Na América Latina, além de Cuba, outros povos elegem governos antiimperialistas. No Oriente Médio, os EUA tiveram que apelar para invasões militares a fim de manter o controle sobre o petróleo, sacrificando milhares de vidas de afegãos, iraquianos, palestinos e paquistaneses.Nesse contexto surge no Irã um governo decidido a não se submeter aos interesses dos EUA. Dentro de sua política de desenvolvimento nacional, instala usinas nucleares e isso é intolerável para o Império.A Casa Branca não aceita democracia entre os povos. Que significa todos os países terem  direitos iguais.  Não aceita a soberania nacional de outros povos.  Não admite que cada povo  e respectivo governo controlem seus recursos naturais.Os EUA transferiram tecnologia  nuclear para o Paquistão e Israel, que hoje possuem bomba atômica.  Mas não toleram o acesso do Irã à tecnologia nuclear, mesmo para fins pacíficos. Por quê? De onde derivam tais poderes imperiais?  De alguma convenção internacional? Não, apenas de sua prepotência militar.Em Israel, há mais de vinte anos, Moshai Vanunu, que trabalhava na usina atômica, preocupado com a insegurança que isso representa para toda a região, denunciou que o governo já tinha a bomba. Resultado: foi sequestrado e condenado à prisão perpetua, comutada para 20 anos, depois de grande pressão internacional. Até hoje vive em prisão domiciliar, proibido de contato com qualquer estrangeiro.Todos somos contra o armamento militar e bases militares estrangeiras em nossos países. Somos contrários ao uso da energia nuclear, devido aos altos riscos, e ao uso abusivo de tantos recursos econômicos  em gastos militares.O governo do Irã  ousa defender sua soberania.  O governo usamericano só não invadiu militarmente o Irã porque este tem 60 milhões de habitantes, é uma potência petrolífera e possui um governo nacionalista. As  condições são muito diferentes do atoleiro chamado Iraque.Felizmente, a diplomacia brasileira e de outros governos  se envolveu na contenda. Esperamos que sejam respeitados os direitos do Irã, como de qualquer outro país, sem ameaças militares.Resta-nos torcer para que aumentem as campanhas, em todo mundo, pelo desarmamento militar e nuclear.   Oxalá o quanto antes  se destinem os recursos de gastos militares para solucionar problemas como a fome, que atinge mais de um bilhão de pessoas.Os movimentos sociais,  ambientalistas, igrejas e entidades internacionais se reuniram recentemente em Cochabamba, numa conferência ecológica mundial, convocada pelo presidente Evo Morales. Decidiu-se preparar um plebiscito mundial, em abril de 2011.  As pessoas serão convocadas a refletir e votar se concordam com a existência de bases militares estrangeiras em seus países; com os excessivos gastos militares e que os países do Hemisfério Sul continuem pagando a conta das agressões ao meio ambiente praticadas pelas indústrias poluidoras do Norte.A luta será longa, mas nessa semana podemos comemorar uma pequena vitória antiimperialista.

Frei Betto é escritor

João Pedro Stédile integra a direção da Via Campesina

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Carta à sociedade: Chegou a hora da Ficha Limpa!

Amigos e amigas,
Após dois anos de esforço e luta por nossa Campanha Ficha Limpa, chegamos ao momento mais importante de nossa caminhada. Dia 11 de maio será o último dia de votação do projeto de lei de iniciativa popular, o Ficha Limpa, na Câmara dos Deputados. Nesse dia, serão votados os nove destaques (alterações) restantes, apresentados ao projeto.
Antes de tudo, é preciso entender dois pontos fundamentais. Primeiro, como fez até agora o MCCE e a sociedade brasileira, precisamos continuar com a forte pressão sobre os deputados para a votação dos nove destaques a serem votados no dia 11/05. A prova que a força da sociedade unida em torno dessa proposta está funcionando foi a aprovação do texto integral do projeto na terça-feira passada (04/05) e a rejeição, por maioria, dos três destaques votados na quarta (05/05). O Congresso Nacional sabe que o país inteiro está literalmente de olho neles!
Segundo, é a relevância dessa data do dia 11 de maio. Após seis meses tramitando na Câmara, chegamos ao último dia de votação. Todos os destaques restantes deverão ser votados na terça-feira, dia histórico para a democracia brasileira. Data de grande importância pois, aprovado na Câmara, com a derrota de todos os 12 destaques apresentados, o projeto Ficha Limpa chega forte no Senado. Casa que já sinalizou o compromisso de votá-lo rapidamente e sem nenhuma alteração.
Mais uma vez, nesse caminho vitorioso construído pela Campanha Ficha Limpa, pedimos que organizem mobilizações e comemorações para a aprovação do projeto de iniciativa popular. Projeto da sociedade brasileira. Até terça-feira, o chamado é para que continuem com ligações, visitas e emails aos parlamentares de seus estados, cobrando deles a rejeição de todas as propostas de alterações ao projeto.
Já na terça-feira, dia 11, o pedido é que mobilizem suas cidades para acompanhar a votação. Em Brasília, nosso objetivo é lotar a galeria do plenário da Câmara. Uma sugestão é a realização de vigílias pelas cidades brasileiras pela Ficha Limpa. Nas praças, em frente às Assembléias Legislativas ou onde for mais conveniente, mobilizem a população e acendam velas pela aprovação do projeto Ficha Limpa. Divulguem essas ações para os deputados de seus estados, para que eles saibam como está a mobilização em favor do projeto em suas cidades.
Agora falta muito pouco. Não conseguiríamos tudo isso não fosse a união da sociedade brasileira em torno do projeto Ficha Limpa. Hoje, com as assinaturas recebidas no MCCE e colhidas pela internet, já contabilizamos mais de 4 milhões de brasileiros e brasileiras favoráveis à Ficha Limpa. Todos/as vocês fazem parte dessa conquista!
Comitê Nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral

sexta-feira, 30 de abril de 2010

CNLB-Sul I - Carta aberta - FICHA LIMPA

Penápolis/SP, 30 de Abril de 2010.


Aos

Exmo. Sr. Michel Temer, Presidente da Câmara

Exmo. Sr. José Sarney, Presidente do Senado

Exmos. Srs. Deputados Federais e Senadores

C/c

Exmo. Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, Presidente da República

Assunto: Projeto Ficha Limpa (PLP 518/09)

Exmos. Senhores,

O Conselho Nacional do Laicato do Brasil – Regional Sul I, organismo da Igreja Católica que promove a articulação do Laicato no Estado de São Paulo, de todas as pastorais, movimentos e associações laicais, que hoje soma em torno de 98% da Igreja Católica em nosso Estado, vêm até os senhores pedir:

1. Agilidade no processo de votação do Projeto de Iniciativa Popular Ficha Limpa;

2. Coerentemente com a ética democrática, que favorece o bem comum, a aprovação do mesmo;

3. Para tanto que o mesmo seja votado no próximo dia 04/05, conforme pauta estabelecida.

4. Que a aplicação do projeto votado seja seriamente e agilmente encaminhada, como espera a população, para ser pertinente já nesta eleição de 2010.

Salientamos que, numa participação e co-responsabilidade democrática, o Conselho Nacional do Laicato do Brasil – Regional Sul I e os Conselhos Regionais dos outros Estados brasileiros estão acompanhando sistematicamente o processo e estamos divulgando aos cristãos leigos e leigas, que são grande parte da população do Brasil, os encaminhamentos, votações e todo o mais envolvendo tal projeto.

A participação política é certamente a expressão concreta e eficiente do amor. Entretanto, caso seja utilizada para benefícios próprios, contraditórios ao bem comum e ao desenvolvimento da nação, fere os ideais democráticos e, portanto, é símbolo da involução, da corrupção, do retrocesso e da impunidade de um país.

Expressamos uma sintonia com o Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) e com os encaminhamentos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a respeito do projeto Ficha Limpa. E estamos tornando público, transparentemente, todos os nomes dos senhores diante das votações feitas e posturas tomadas. Somos seus eleitores. Exigimos coerência democrática.

Em nome dos cristãos leigos e leigas do Estado de São Paulo, subscrevemos.

Atenciosamente,

Luis Antonio Ferreira
Presidente

Alex de Souza Rossi
Secretário Geral

sábado, 26 de dezembro de 2009

DEUS IRROMPE NA HISTÓRIA

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

O Mistério da Encarnação, celebrado nos festejos do advento e do Natal, apontam para a irrupção de Deus na história. Deus vem interpelar, ao mesmo tempo, a história pessoal e coletiva. Semelhante irrupção do transcendente procura superar duas tendências muito presentes na condição humana: e lei na inércia e do comodismo, por um lado, e a agressividade que marca nossos relacionamentos, por outro.

A lei na inércia e do comodismo tende a fechar a história. A razão humana, especialmente no ocidente, pretende enquadrar os acontecimentos dentro de seus esquemas lógicos. Fala-se então das leis matemáticas da física aplicadas ao devir histórico (Decartes), da filosofia da história (Herder e Hegel), do anúncio do fim da história (Fukuyama) e de um certo determinismo que determinaria as leis históricas e de seu progresso (Marx, Darwin). A história poderia então ser representada por um linha reta, em processo de ascensão. As leis da física e da biologia comandam as ações humanas sobre a terra.

Com isso, a história se fecha no pensamento linear, medido, calculista, controlado pela matemática. A capacidade de produção e consumo traz a ilusão de que tudo será resolvido. O caminho ascendente do progresso indefinido torna-se uma espécie de credo. Não há surpresas, as curvas estão mapeadas, tudo está sob o controle das máquinas. Tudo é previsível e até modificável, dados os avanços dos conhecimentos científicos. O mundo se encontra emancipado e desencantado da tutela de Deus e da religião (Weber). A história está nas mãos da razão e da ciência, da tecnologia e do progresso. Podemos acomodar-nos em confortáveis poltronas!

Festejar o Natal é dar-se conta que a história, pessoal e coletiva, jamais se fecha. O Espírito de Deus irrompe, interpela, sacode e, diante dos novos desafios, nos chama a buscar respostas novas. A vinda do Menino nos coloca, hoje e sempre, diante de uma encruzilhada, com diversas bifurcações, que pressupõem a necessidade de escolher. Com isso, a vida de cada pessoa, de cada sociedade e do universo como um todo se abre a novas perspectivas. Hoje mais do que nunca, as novas perspectivas passam pela dimensão ecológica, pela urgência de salvar a biodiversidade do planeta, suas diversas formas de vida entrelaçadas e interdependentes.

Por outro lado, o Mistério da Encarnação mostra que a ação de Deus na história não se dá através de espetáculos. Ela passa pelas coordenadas da história. Deus age através das mãos humanas. Mas a vida, palavras e obras de Jesus revelam uma pedagogia do serviço, não da autoridade e da prepotência. Entramos aqui no conceito teológico de kenosis , isto é, do despojamento e aniquilamento como caminho para combater a violência. Jesus não se apega à sua condição divina, mas torna-se obediente até a morte, e morte de cruz, na contramão da agressividade que o cerca. À traição de Judas, ao fracasso do Getsêmani, à fuga dos apóstolos, à perseguição e morte de cruz, Ele oferece o amor e o perdão.

A conclusão é de que os festejos do Natal, por uma parte, nos desafiam a combater a lei da inércia e do comodismo diante da história, uma vez que esta permanece sempre em aberto e se encontra carregada de desigualdades e injustiças. Por outra parte, o espírito do Natal, simbolizado num Menino, pobre, nu e indefeso, nos alerta que as mudanças na história se levantam do chão, de gestos pequenos e pequenas formas de solidariedade, marcados por relações justas, fraternas e solidárias.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Por que tantos passam fome?

Muitos pensam que o problema da fome se deve ao excesso da população, de que não há alimentos para todos e se faz necessário o controle da natalidade. Essa tese não se justifica. A FAO, organismo da ONU dedicada à alimentação, há vinte anos afirma que o problema é político. A fome é um problema, sobretudo, de acesso à comida e não de disponibilidade de alimentos, ou seja, a crise alimentar não é uma crise fundamentalmente de produção, mas de distribuição. O problema está no mercado.
“Hoje produzimos alimentos demais. Muito mais do que seria necessário para alimentar a população atual, sendo que ainda nem estamos perto de esgotar o potencial da alimentação direta. E, para pequenos produtores rurais, dobrar a produção custa pouco”, argumenta Benedikt Haerlin, da fundação Zukunftsstiftung Landwirtschaft, que apoia projetos ecológicos e sociais no setor agrícola. “A ideia de que somos cada vez mais numerosos e por isso precisamos produzir mais é equivocada. Precisamos é produzir melhor. Menos da metade dos grãos hoje em dia é destinada à alimentação, enquanto a maior parte serve para fabricar rações animais, biocombustíveis e outros produtos industriais”, explica Benedikt Haerlin.
O problema é de acesso à comida, diz David Dawe, Ph.D. em Economia pela Universidade de Harvard. Segundo ele, “a fome crescente é um problema de acesso à comida, e não de disponibilidade de alimentos”. “Se temos 1 bilhão de pessoas que passam fome por não ter dinheiro para comprar comida e outro bilhão de clinicamente obesos, alguma coisa está obviamente errada”, alerta Janice Jiggings, do Instituto Internacional para Meio Ambiente e Desenvolvimento em Londres.
A razão para o aumento da fome está ainda associada, entre outros fatores, a crise econômica (leia-se especulação das grandes corporações com os alimentos que chamam de commodities), às mudanças climáticas que provocam em alguns momentos inundações e, em outros, secas terríveis, e ao aumento das controvertidas plantações para produzir combustível, que rouba áreas da agricultura de subsistência.
A crise alimentar encerra ainda outro paradoxo: ela se dá num contexto de extrema falta e abundante desperdício. Já hoje existe mais comida que o necessário garante o diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner, e sem cultivar um quilômetro quadrado que seja a mais, seria possível alimentar toda a população do planeta. Segundo ele, “ao mesmo tempo em que temos uma crise de alimentos, jogamos fora 30% a 40% dos alimentos produzidos. Ao invés de nos perguntarmos onde podemos encontrar mais terra para cultivar ou se será preciso plantar na Lua, deveríamos olhar para o nosso quintal. Temos que encontrar estímulos financeiros para evitar que se jogue comida fora”.
A crise alimentar está também associado ao escandaloso subsidio concedido aos fazendeiros dos países ricos. Existe muito dinheiro para subsidiar a agricultura dos que já tem muito e pouco, ou quase nada, para os países pobres que mais precisam.
Vandana Shiva, a ativista e intelectual indiana, defende a tese de que “são os métodos de desenvolvimento equivocados que causam a fome de centenas de milhões de pessoas”. Segundo ela, “hoje, nos dizem que um bilhão de pessoas passam fome. Eu acho que se deveria perguntar o porquê. O porquê é explicado há muitos anos pelos especialistas, economistas e climatologistas como eu, que a FAO não ouviu. Há estudos qualificados que defendem que as monoculturas tornam a agricultura mais vulnerável, e que o uso de fertilizantes químicos contribui para as mudanças climáticas”.
Nas últimas décadas, o livre comércio e as políticas neoliberais favoreceram e incrementaram o agronegócio, em detrimento da agricultura familiar, da reforma agrária, da produção ecológica.
A ativista dá o exemplo do seu país, a Índia: “A globalização não significou o livre comércio de comida de alguns países para outros. Pelo contrário, ela esmaga os países que podem produzi-la. Em troca, um bilhão de pessoas passa fome. Em um mundo que produz mais comida do que nunca, o consumo per capita, na Índia, caiu de 270 quilos por ano para 150 quilos, menos do que na grande crise alimentar de Bengala [1945]. Hoje, 70% das crianças estão desnutridos, e as mulheres estão anêmicas porque plantam sementes sem ferro”.
Vandana Shiva alerta para o mito da Revolução Verde, o que inclui os transgênicos: “Hoje, falar de Revolução Verde como solução é absurdo. A Revolução Verde só produziu mais arroz e trigo porque houve mais irrigação. O ruim é que são usados pesticidas para sementes transgênicas que não são afetadas por esses produtos. E as famílias se endividam ao comprar esses produtos. Hipotecam até as terras. Hoje, os que passam fome são os produtores de comida, porque não podem comer o que semearam. A indústria química, a revolução verde e os transgênicos baseiam-se na morte. Vendem-na como milagrosa, mas quando se substitui ciência por mitologia, nunca se sabe se os colegas cientistas irão mentir. E a Revolução Verde é um mito”.
A “revolução verde”, 40 anos depois, mostra seus limites econômicos, ambientais e sociais. O modelo agrícola dominante no mundo, o agronegócio, é destruidor da natureza, assentado no monocultivo, concentrador de recursos, protagonizado pelo grande capital, gera um reduzido número de postos de trabalho e atende fundamentalmente interesses transnacionais, ao mesmo tempo em que persegue objetivos mercadológicos. Os fertilizantes químicos e os defensivos agrícolas, causam estragos ambientais muitos deles irreversíveis. Insistir nesse modelo como resposta ao problema da fome é uma mentira.

Plantar o que, para quê e para quem?
Em um instigante artigo, o ambientalista e jornalista Washington Novaes, pergunta: “Qual é hoje a questão central, mais grave, no mundo? A população de 6,8 bilhões, que pode chegar a 9 bilhões em 2050 (ou a 12 bilhões, segundo demógrafos mais pessimistas)? O consumo de recursos e serviços naturais, já quase 30% além da capacidade de reposição do planeta (e que tende a crescer mais)? A fome (mais de 1 bilhão de pessoas) e a pobreza (cerca de 40% da humanidade)”?
O mérito da pergunta está no fato de que ao contrário de isolar os problemas é necessário conectá-los. A crise alimentar está entrelaçada à crise climática. No artigo, Washington de Novaes chama a atenção para o fato de que na África Subsaariana, hoje com cerca de 800 milhões de pessoas, 200 milhões já passam fome. Segundo ele, “a produtividade agrícola ali, de 1,2 tonelada por hectare, é menos de metade da média nos demais países pobres, de 3 toneladas por hectare. E só 3% das terras são irrigadas; 80% das propriedades rurais têm menos de 2 hectares. Mas a moeda tem outra face: os pobres africanos (como os asiáticos) emitem 0,1 tonelada de dióxido de carbono por ano, enquanto o norte-americano médio emite cerca de 20 toneladas”.
Esse fato permite a vinculação com o tema da crise ecológica e Washington Novaes faz menção a uma discussão promovida pela revista New Scientist com alguns pensadores respeitados. O ambientalista cita, entre eles, a tese de Fred Pearce, para quem o problema não é de população, mas consumo excessivo. Jesse Aubels, da Universidade Rockefeller, acredita que a solução virá de tecnologias que permitam produzir mais em menos terra, gerar mais energia com equipamentos mais eficientes e não poluentes, replantar florestas, mudar hábitos de consumo (uma dieta vegetariana, diz ele, pode ser viabilizada com metade da área exigida por uma alimentação à base de carnes). Na sua opinião, novas tecnologias permitiriam ao planeta ter até 20 bilhões de pessoas.
Fred Pearce, autor de Peoplequake (terremoto populacional), entende que, mesmo se se estabilizar a população (com a queda da taxa de fertilidade das mulheres), o consumo continuará sendo a questão crucial, tanto pelo lado da sobrecarga em matéria de recursos e serviços naturais como pelo ângulo das emissões de poluentes que afetam o clima, intensificadas pelo alto consumo. Hoje, lembra ele, os 500 milhões de pessoas mais ricas (7% da população mundial) respondem por 50% das emissões; os 50% mais pobres da população (3,4 bilhões) respondem por 7% das emissões totais. Um norte-americano emite tanto quanto toda a população de uma pequena cidade africana.
O modo de produção e consumo dos países ricos é insustentável. A pressão que colocam sobre o planeta para preservar o seu modo de vida é diretamente responsável pelo que falta aos outros. A questão crucial a ser debatida é plantar o que, para quê e para quem.

A fome e o caso brasileiro
Numa Conferência em que os governantes dos países mais ricos não foram, o Brasil sobressaiu como modelo a ser perseguido, sobretudo em função do programa de transferência de renda, o Bolsa Família. De acordo com um ranking elaborado pela ONG anti-pobreza Action Aid, o Brasil é líder no combate à fome entre os emergentes.
O presidente Lula esteve na Cúpula Mundial sobre Segurança Alimentar da ONU e afirmou que a fome “é a mais temível arma de destruição em massa que existe no nosso planeta", acusou os países ricos ao dizer que “metade dos recursos usados para salvar bancos erradicaria fome no mundo” e fez uma veemente defesa do programa Bolsa Família – responsável, segundo ele, por retirar 20,4 milhões da pobreza e reduzir em 62% a desnutrição infantil – e criticou aqueles que criticam o programa: "Qualquer esforço para socorrê-los da pobreza, da exclusão e da desigualdade era visto, e ainda é, por alguns, como assistencialismo ou populismo”.
“No caso da fome, acho que o Primeiro Mundo falhou. O Brasil, na verdade, se tornou um exemplo a ser seguido, tendo criado um modelo de transferência de renda, o do Bolsa Família, que poderia, e ao meu ver deveria, ser universalizado via ONU, com a transferência de recursos dos países ricos para os países mais pobres com o objetivo precípuo de erradicar a insegurança alimentar grave. Não vejo outra posição eticamente sustentável tendo em vista a dimensão do problema. Acho, realmente, que o mundo tem se omitido diante da tragédia da fome”, afirma o cineasta José Padilha, vencedor do Urso de Ouro com o filme Tropa de Elite (2007), e diretor do filme Garapa, produzido neste ano, e que discute o problema da fome.
Segundo ele, “é eticamente inadmissível que alguém, no grupo dos beneficiados históricos deste país, olhe para os miseráveis que não têm o que comer e diga que os R$ 58 que o governo dá a ele são uma política errada".
A política do governo Lula de combate a fome é hoje vendida pela própria FAO como um programa ser seguido por outros países. "No caso brasileiro, ao contrário, sucessivas decisões de governo carimbadas por alguns como assistencialistas foram corajosamente alçadas à condição de políticas de Estado nos últimos sete anos. Nascia assim, silenciosamente, uma engrenagem de fomento à demanda popular que se antecipou ao ‘mundo keynesiano’ legitimado pela explosão da bolha imobiliária nos EUA", escreve José Graziano da Silva, representante regional da FAO para América Latina e Caribe.
Apesar dos esforços e progresso no combate à fome no país, cabe sempre alertar que o Brasil ainda não acabou com o problema e isso é ainda mais vergonhoso quando se sabe que o país está entre os maiores exportadores de alimento do mundo e entre os 10 países que mais desperdiçam comida no mundo.
Em que pese o fato do investimento em tecnologia de ponta nas últimas décadas ter colocado o Brasil entre os países mais competitivos do agronegócio no mercado internacional, o mesmo não foi suficiente para acabar com um problema básico: o desperdício de alimentos ao longo da cadeia produtiva. Sobre o desperdício, há outra situação incomoda manifestada pelo economista italiano Bruno Parmentier. Pergunta ele sobre o Brasil: “Como é possível que cause alegria em seu país, por exemplo, a abertura de restaurantes em que se paga um preço fixo ao entrar e a comida é ilimitada? Isso é provavelmente algo que tem suas raízes na cultura brasileira, mas que não corresponde de modo algum às exigências e aos desafios do século 21”.

Crise ecológica. Copenhague ‘flopou’
A Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas – COP 15, ou simplesmente a Conferência do Clima de Copenhague, um dos eventos mais aguardado do ano, senão o mais aguardado está fadado ao fracasso, simplesmente “flopou”, como diz o jornalista Claudio Angelo, ou seja, será um fiasco.
A importância de Copenhague que será realizado em dezembro ganhou evidência após o impactante relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – sigla em inglês) de 2007. À época, o informe dos pesquisadores e cientistas foi categórico e não deixou espaço para dúvidas ao afirmar de forma contundente – o relatório utilizou a expressão “inequívoca” – que o aquecimento global se deve à intervenção humana sobre o planeta.
Aguardava-se um compromisso mínimo entre os países para mitigar os problemas ambientais. Agora a elegante linguagem diplomática trabalha com o conceito de um acordo "politicamente vinculante", em vez de "legalmente vinculante”. Na prática significa “empurrar com a barriga” o problema para 2010.
A pá de cal em Copenhague foi dada pelos EUA. O presidente americano Barack Obama, em encontro com o presidente chinês, Hu Jintao, anunciou não ser possível anunciar metas para a Conferência no que foi seguido pelo presidente da China. Se a maior potência do mundo, os EUA, seguido pela segunda maior potência, a China, não querem um acordo no momento, Copenhague virou uma miragem. Sequer a presença de Barack Obama está certa na Conferência.
"Estou triste e desiludido. Nem o estímulo do Nobel pela paz foi suficiente para colocar as exigências globais em primeiro plano: continuamos sendo prisioneiros dos vetos cruzados da política interna", afirma Barry Commoner em entrevista ao La Repubblica sobre a posição americana. Barry, ecologista que há mais de 40 anos luta para dar espaço à energia solar, ficou chocado com a freada da Casa Branca com relação ao clima. Segundo ele, “a pressão política para a reforma da saúde fez com que faltasse o estímulo necessário para se obter um resultado no jogo climático. Assim, Obama registrou uma pesada derrota: não conseguiu assumir a liderança da economia verde".
Alguns já falam que Copenhague pode virar Doha, uma referência ao possível acordo comercial mundial que arrasta-se há anos e permanece inconcluso.
Na opinião do africano Kumi Naidoo, porta-voz da Campanha Internacional contra as Mudanças Climáticas do Greenpeace, falta vontade política para salvar Copenhague. Diz ele: “Se houve vontade para mobilizar bilhões para salvar bancos responsáveis pela crise, uma fração desse dinheiro resgataria a população pobre e o clima”.
É nesse contexto que devem ser interpretados os discursos inflamados dos presidentes Lula e Sarkozy nos últimos três dias. Os dois países anunciaram metas unificadas de combate às mudanças climáticas. Trata-se de uma aliança, a tentativa de formação de um bloco um bloco em oposição a Washington e Pequim.
O desfecho não chega a surpreender. Os encontros preparatórios à Copenhague de Bonn , Bancoc e recentemente Barcelona, já anunciavam a dificuldade de um possível acordo.
Na realidade, o fracasso anunciado de Copenhague está ligado ao fato de que os países ricos e os países em desenvolvimento temem a mesma coisa: frear o crescimento econômico. Os países industrializados (EUA e União Européia) temem se comprometer com metas fortes de redução das emissões de gases que provocam o aquecimento global, pois não querem ter perdas econômicas.
Já os países em desenvolvimento (particularmente o Brasil, a China e a Índia), mas também os africanos – com a África do Sul à frente –, argumentam que a responsabilidade histórica pela emissão de gases-estufa é dos países industrializados e que, assim como as nações do Norte, também têm o direito de se desenvolver. Os países em desenvolvimento não aceitam metas obrigatórias e querem que os industrializados concedam financiamentos para adaptação às mudanças climáticas.
O ambientalista Washington Novaes em entrevista à revista IHU On-Line, resumiu bem o impasse: “Os chamados países emergentes como Brasil, China, Índia, México e África do Sul alegam que essa responsabilidade [de drástica redução da emissão de gases estufa] deve caber aos países industrializados que emitem mais e há mais tempo, e que os emergentes não poderiam assumir compromissos de reduzir emissões porque isso poderia comprometer o seu desenvolvimento. Os países desenvolvidos, continua ele, em contrapartida, argumentam que se os emergentes não assumirem compromissos de redução, não se conseguirá nada porque, neste momento, o mundo em desenvolvimento já consome mais energia e emite mais que o primeiro mundo”.
O mesmo afirma o jornalista Cláudio Angelo, para quem a culpa é de todo mundo. Diz ele: “Os EUA são apenas a Geni do processo. Os europeus estão divididos, sem liderança e pressionados pelas próprias picuinhas internas – a resistência dos países mais pobres do Leste, por exemplo. Foi a UE, aliás, que cunhou o eufemismo ‘politicamente vinculante’ para ‘acordo fracassado’, na semana retrasada, em Barcelona. Canadá, Japão, Austrália e Nova Zelândia também não querem compromisso, mas se escondem atrás dos EUA. Com um clima desses, é melhor mesmo suspender a reunião e reconvocá-la depois. Resta saber se o planeta pode esperar – e sem garantia de sucesso. De toda forma, antes correr esse risco do que fechar um acordo frouxo, à la Kyoto, na capital dinamarquesa – que talvez fizesse bem em mudar seu nome para ‘Flopenhague’".(A análise é elaborada, em fina sintonia com o IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT - com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.)

Crise alimentar. A fome é obscena

Novamente fracassou – o mesmo se deu em 2008 – a Cúpula Mundial contra a Fome ocorrida nessa semana em Roma. O texto evasivo da Cúpula não passa de uma “carta de boas intenções”. Segundo Francisco Sarmento, da entidade ActionAid, “o encontro e a declaração final não passam de discursos vazios e velhos".
O fracasso do mundo no combate à fome desvenda uma hipocrisia: os Objetivos do Milênio, a fórmula-slogan com que os poderosos da terra tinham assumido o compromisso de diminuir radicalmente a fome no mundo, não passa de palavras ao vento. A verdade nua e crua é que o mundo não está nem aí para o flagelo do 1 bilhão que passam fome no mundo.

A insensibilidade dos países ricos é taxada como criminosa pelo diretor da Campanha pelas Metas do Milênio, Salil Shetty: “Sempre digo que se você fizer uma promessa e não cumprir, é quase um pecado, mas se fizer uma promessa a pessoas pobres e não cumprir, então é praticamente um crime”. O mesmo pensa Jean Ziegler, ex-relator da ONU contra a Fome: "A morte pela fome hoje não é algo inevitável. É um assassinato".
Em julho desse ano, por ocasião da reunião do G-8, Jacques Diouf, diretor-geral da FAO, afirmava “que o tempo das palavras acabou” e que se fazia necessário agir e com urgência. Mas nada foi feito. O grito de dor e súplica por ajuda não foi ouvido pelos países ricos. Ainda pior, segundo o próprio Diouf, "hoje são destinados à agricultura só 5% dos recursos, contra 3,6% de antes do G-8 de L'Aquila".
De nada adiantou a convocatória da vigília em solidariedade aos desnutridos e a greve de fome de 24 hs de Jacques Diouf com o objetivo de chamar a atenção para a Cúpula Mundial de Segurança Alimentar. A ambiciosa agenda da Cúpula de apresentar uma nova estratégia mundial para o campo e para os mais de 1 bilhão de famintos virou pó. Os mais ricos sequer foram ao encontro.
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, preferiu ir à China, onde junto ao seu colega presidente Hu Jintao, descartou a possibilidade de um acordo definitivo em Copenhague. A principal preocupação da maior potência do mundo é como preservar o seu modo de vida, de produção e consumo. O problema da fome saiu da agenda das grandes potências faz tempo.

A obscenidade da fome, entretanto, se torna ainda maior quando se sabe que:
1) A fome mata 24 mil pessoas a cada dia – 70% delas crianças, afirmam Ongs;
2) No mundo de hoje há mais comida do que em qualquer outro momento da história da humanidade;
3) Temos 6,7 bilhões de habitantes, e produzimos mais de 2 bilhões de toneladas de grãos, o que significa que produzimos quase um quilo de grãos por pessoa e por dia no planeta, amplamente suficiente para alimentar a todos;
4) Segundo a FAO o mundo precisaria de US$ 30 bilhões por ano para lutar contra a fome, recursos que significam apenas uma fração do US$ 1,1 trilhão aprovado pelo G-20 para lidar com a recessão mundial;
5) 65% dos famintos vivem em somente sete países;
6) Nos últimos meses irromperam revoltas por causa da fome em 25 países;
7) Os que sobrevivem à fome carregam seqüelas para sempre. A fome mina as vidas e acaba com a capacidade produtiva, enfraquece o sistema imunológico, impede o trabalho e nega a esperança;
8) No mesmo momento em que 1 bilhão de pessoas passando fome, outro 1 bilhão sofre de obesidade por excesso de consumo;
9) Uma criança americana consome o equivalente a 50 crianças africanas da região subsaariana;
10) Cerca de 200 milhões de crianças de países pobres tiveram seu desenvolvimento físico afetado por não ter uma alimentação adequada, segundo o Unicef (A análise é elaborada, em fina sintonia com o IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT - com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.)

Cúpula Mundial contra a Fome

Dois dos mais graves problemas do planeta – a crise alimentar e a crise climática – não serão enfrentados pela comunidade política internacional com a urgência que exigem. A semana começou com notícias desalentadoras. Simultaneamente ao anúncio do fracasso da Cúpula Mundial contra a Fome, anunciou-se o fracasso da Conferência do Clima de Copenhague.
Esvaziada, sem metas nem líderes dos países ricos, a Cúpula Mundial contra a Fome organizada nessa semana em Roma pela FAO é um rotundo fracasso. Ainda mais, é uma triste manifestação de que o mundo deu as costas para o problema da fome. Ao mesmo tempo a reunião da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), em Cingapura, anunciou o que já se previa: a Conferência de Copenhague, um dos eventos mais aguardados do ano, “flopou” – palavra sonora para definir fiasco, como descreve o jornalista Cláudio Angelo.
A crise alimentar (1 bilhão de pessoas passam fome) e a crise climática (o planeta levado ao esgotamento) não tiveram a mesma sorte da crise econômica. Na oportunidade, o desfecho à crise financeira – que pode retornar a qualquer momento – encontrou por parte das lideranças políticas mundiais uma resposta rápida, ágil e célere: abriram-se os cofres dos Estados e o derrame de dinheiro público resgatou bancos e banqueiros do atoleiro.
A negligência do mundo diante dos que passam fome e a passividade para com a lenta agonia do planeta em que os recursos se encontram no limite do suportável, deve-se ao fato de que os interesses econômicos, do mercado, continuam subordinando a política – a capacidade de respostas aos problemas coletivos. A economia faz tempo deixou de ser a “serva” da sociedade para se tornar a sua “senhora”.
A fome no mundo e a crise ecológica não podem ser interpretadas desconectadas da economia. É o “modo de produzir” e o “modo de consumir” da sociedade capitalista que explicam as crises alimentar e ecológica. Associadas a essas duas, poder-se-ia ainda acrescentar a crise energética e a crise do trabalho. Essas crises manifestam algo mais grave, uma crise de modelo de desenvolvimento de tipo civilizacional. (A análise é elaborada, em fina sintonia com o IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT - com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.)