"Especialistas nas áreas da cooperação, da economia, da teologia e da ajuda ao desenvolvimento falam sobre a nova encíclica, considerada desafiante e inovadora"
A encíclica "Caritas in veritate", de Bento XVI, gerou um pouco por todo o mundo uma verdadeira chuva de reacções, com os mais variados elogios, que chegaram mesmo ao ponto de defender a atribuição de um prémio Nobel da Economia ao Papa.
Na sua edição de hoje, o semanário Agência ECCLESIA apresenta as opiniões de um conjunto de especialistas nas áreas da cooperação, da economia, da teologia e da ajuda ao desenvolvimento sobre um texto unanimemente considerado desafiante e inovador.
António Bagão Félix fala numa encíclica notável, cuja "palavra-chave" é a de "desenvolvimento humano".
"Um desenvolvimento integral, autêntico, libertador, pluridimensional. Um desenvolvimento associado à ética e à responsabilidade pessoal e social. À justiça distributiva e não apenas à justiça contratual e comutativa. À capacidade de conciliar Mercado, Sociedade e Estado. À afirmação do princípio da subsidiariedade para «governar a globalização». À necessidade de ultrapassar a ideologia tecnocrática dominante", afirma.
O especialista fala ainda do relevo dado "ao «ser mais e melhor» e não apenas «ao incremento do ter». À importância das energias morais para neutralizar os excessos alienantes de produtivismo e de utilitarismo. À sustentabilidade social, demográfica e geracional que erradique a primazia da lógica estrita do curto-prazo".
Ulisses Garrido, sindicalista, membro do grupo Economia e Sociedade da CNJP e vice-Presidente do Fórum pela Paz e pelos Direitos Humanos, considera que Bento XVI abre caminho para uma nova "síntese humanista".
"O mundo tem necessidade duma renovação cultural profunda e dum regresso aos valores essenciais", escreve, antes de sublinhar que "o mundo velho já não serve".
"A crise não poderá solucionar-se com o regresso ao passado, ainda que mais moderado! É preciso não nos socorrermos de ideologias simplificadoras da realidade e examinar com objectividade", alerta.
Para Francisco Sarsfield Cabral, o essencial está "no aprofundamento antropológico e teológico das questões que a encíclica aborda. E na fundamentação metafísica das mensagens éticas que transmite".
"Trata-se, assim, de um texto típico de Bento XVI. Há muito que o teólogo Ratzinger tem como principal alvo das suas críticas o relativismo, a ideia - filosófica, mas com grande expressão prática no mundo actual - de que tudo se equivale, nada sendo susceptível de sólida justificação. No plano moral, esta visão das coisas tem, ou pode ter, consequências devastadoras. É que uma "concepção débil da pessoa" (expressão de J. Ratzinger) é incapaz de dar força aos direitos humanos e às exigências éticas de fundo", acrescenta.
Já o Pe. José Augusto Duarte Leitão, Responsável da AEFJN-Portugal, centra a sua reflexão nas indicações deixadas sobre o desenvolvimento, que "deve ser integral e universal, inclusivo e participativo, subsidiário e solidário, justo e amigo do bem comum, ecológico e sustentável, fundado no amor e na verdade".
"Por outro lado, Bento XVI identifica algumas opções que não contribuem para o desenvolvimento e que enumero sumariamente: o assistencialismo e a dependência, a exclusão e o monopólio, a exploração e especulação, a ilegalidade e a corrupção, a falta de transparência e o autoritarismo, a violência e a procura desenfreada do lucro, as políticas contra a vida e o meio ambiente, as relações desiguais por motivos culturais, religiosos, de poder ou tecnológico", refere.
Henrique Pinto, da Associação CAIS, diz que "Bento XVI não só parece desejar dialogar com uma religião sem religião, uma teologia sem teologia, numa relação aberta e interdisciplinar, como consegue com que os termos da sua encíclica sejam reconhecidos por quem hoje não absolutiza certamente uma particular transcendência mas vive o cuidado pelo outro como transformação pessoal, numa dedicação ao Mais que excede o momento presente e a história humana não esgota".
O teólogo João Duque, secretário da Comissão Episcopal da Doutrina da Fé e Ecumenismo, mostra como pode haver lugar para uma "lógica do dom" na economia mundial, a partir do texto papal.
"Habitualmente, os sistemas económicos mais recentes - denominados genericamente capitalistas - assentam na lógica do lucro, pretendendo que esse seja o motor do progresso e desenvolvimento dos povos. Mas, sobretudo devido à recente crise económico-financeira global, parece tornar-se cada vez mais evidente que essa lógica não é absoluta e que parece não conduzir aos resultados que promete. Em realidade, apenas serve para realizar o interesse de poucos. Nesse contexto, Bento XVI lança o desafio à aplicação pragmática, nas relações económicas à escala global, da dimensão do gratuito, da dádiva desinteressada", indica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário