segunda-feira, 11 de julho de 2011

A moral do lucro

A Igreja tem, e sempre teve, uma relação complexa com a riqueza; às vezes, ela se manchou com essa relação. A mensagem que vem do Vaticano agora requer um senso de vigilância intensificado em toda a Igreja.
Publicamos aqui o editorial da revista católica britânica The Tablet, 09-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A Santa Sé identificou um novo inimigo público – o especulador. Em declarações aos delegados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e a Alimentação (FAO), com sede em Roma, o Papa Bento se referiu à forma como os alimentos se tornaram uma commodity que é agora negociada sem levar em conta as necessidades dos famintos do mundo.
"Como podemos ignorar o fato de que os alimentos se tornaram um objeto de especulação ou estão ligados a movimentos em um mercado financeiro que, sem regras claras e princípios morais, parece ancorado no único objetivo do lucro?", perguntou. O uso dos alimentos como uma mercadoria que pode ser comprada e vendida nos mercados internacionais é amplamente o culpado pela explosão dos preços dos alimentos mundiais e a rápida expansão do número de pessoas de todo o mundo sem o suficiente para comer. Os alimentos, às vezes, são acumulados apenas para forçar o aumento dos preços.
Mas uma acusação mais ampla contra a especulação financeira foi pronunciada pelo secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Tarcisio Bertone, em um encontro promovido pelo Pontifício Conselho "Justiça e Paz". O cardeal disse que um bom líder de negócios não é um especulador, mas sim um inovador. "O especulador assume como seu objetivo maximizar o lucro; para ele, os negócios são apenas um meio para um fim, e esse fim é o lucro. Para o especulador, construir estradas e estabelecer hospitais ou escolas não é o objetivo, mas meramente um meio para a meta do lucro máximo. Deve ficar imediatamente claro que o especulador não é o modelo de líder de negócios que a Igreja sustenta como um agente e um construtor do bem comum".
Tanto as declarações do cardeal quanto do papa estão entre os sinais recentes de que o Vaticano quer desempenhar um papel mais proativo na promoção da Doutrina Social da Igreja, ao invés de se confiar na publicação de novas encíclicas sociais a cada década ou duas, com longos períodos de silêncio entre elas.
No outono europeu passado, o Pontifício Conselho "Justiça e Paz" organizou um simpósio no Vaticano, juntamente com o projeto True Wealth of Nations, com sede nos EUA, sobre a aplicação da encíclica Caritas in Veritate, do Papa Bento XVI,  nos Estados Unidos.
Na Inglaterra e no País de Gales, a Conferência dos Bispos embarcou em um programa prolongado de eventos para "aprofundar o engajamento social" da Igreja, que o Vaticano está claramente encorajando. O discurso do cardeal Bertone ofereceu pouco conforto para os homens de negócios que satisfazem suas consciências engajando-se em atos de filantropia, embora generosos, ou que simplesmente garantem que suas práticas de negócios são socialmente responsáveis. Ele os desafiou a mirar mais alto: a dirigir sua criatividade para "desafios acima e além da economia e do mercado".
Especificamente, ele mencionou medidas para trazer as pessoas marginalizadas para a atividade econômica, destacando que há "países inteiros com um grande número de jovens e com poucos empregos". E convocou os líderes de negócios com uma consciência social a "ver seu trabalho como parte de um novo contrato social com o público e com a sociedade civil".
A Igreja tem, e sempre teve, uma relação complexa com a riqueza; às vezes, ela se manchou com essa relação. A mensagem que vem do Vaticano agora requer um senso de vigilância intensificado em toda a Igreja. Ao aceitar ofertas de doações filantrópicas, ela não deve comprometer sua própria integridade. Os especuladores podem fazer pressão com o seu dinheiro. Eles devem saber que, assim, seus dons não inaceitáveis

quinta-feira, 10 de março de 2011

Simpósio defende criação de cartilha sobre pensamento social católico

O Conselho Pontifício Justiça e Paz, com o seu prefeito, o cardeal Peter Turkson, de Gana, continua mantendo viva a discussão em torno da encíclica social de 2009 de Bento XVI, Caritas in Veritate. No dias 24 e 26 de fevereiro, o conselho realizou um simpósio que reuniu intelectuais e empresários para falar sobre como os elevados princípios da encíclica podem ser traduzidos na prática inflexível dos negócios.

A ideia subjacente é a de que, se o ensino social católico tem a ver com fazer a diferença, ele tem que chegar às pessoas que realmente moldam a economia global.
Uma ideia criativa que surgiu do simpósio é a de que o conselho elabore uma cartilha sobre o pensamento social católico para profissionais de negócios – uma espécie de versão católica dos "Princípios Sullivan", que pediam que as corporações aplicassem pressão econômica sobre a África do Sul para rever e, finalmente, acabar com o apartheid. O objetivo é gerar um conjunto conciso e claro dos princípios básicos para introduzir a ética na vida econômica, com um impacto visível no mundo real.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

DEMOCRACIA CARNAVALESCA

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

A democracia no Brasil é uma beleza: você vota com a mais alta tecnologia de ponta. Digita um número, aparece uma foto, você confirma e... Pronto! Está eleito o novo representante democrático do povo brasileiro. Ele já pode ser diplomado e transferir-se para o Planalto Central, passando a integrar o grupo seleto dos tripulantes da nave espacial do Congresso Nacional.

Antes mesmo dele e os demais eleitos assumirem seus postos, seus colegas de carreira já se encarregaram de preparar a cama. Enquanto várias categorias, Brasil afora, pelejam para elevar seus ganhos em 6, 7, 8, 9 ou 10%, os senhores deputados e senadores tascaram um aumento de mais de 60% sobre os próprios salários, num gesto de profundo e genuíno patriotismo. Afinal, está em jogo os interesses máximos da nação brasileira e dos setores mais carentes da população.

E a democracia funciona tão bem que esse ato de elevada consciência nacional tem repercussões automáticas em todo corpo administrativo, o tal do efeito dominó ou efeito cascata, como quiserem. Ganha a nave espacial central e ganham as naves espaciais estaduais, além dos ministros e do presidente e vice. Presidente ou presidenta? Agora podemos escolher: mais um benefício de nossa democracia abençoada. Nunca antes na história desse país se viu coisa igual!

É uma beleza, todos ganham: o Judiciário, o Executivo e o Legislativo. Nessa hora os extra-terrestres falam uma linguagem comum. Se for necessário fritar um deles em fogo lento, ou promover um linchamento político, isso será feito sem nenhum escrúpulo. Mas agora não, agora se trata de defender a companheirada. Prevalece o corporativismo, a camaradagem, a cordialidade tipicamente brasileira

O bispo de Limoeiro do Norte - CE, em protesto, recusa a homenagem do Senado, a mídia divulga os aumentos abusivos, o povo comenta pelas ruas... Mas nada disso parece interpelar os tripulantes da nave espacial. Alguns até, estranhamente originários das CEB’s, dos movimentos sociais, das organizações de base, vêem a público para justificar sua decisão patriótica, como também já haviam justificado a pressa em aprovar as concessões de TV paga em favor das empresas de telecomunicações. Nem se lembravam que, há tempo, tramita pelas engrenagens da casa outro projeto, desta vez em favor dos consumidores, contra o pagamento da assinatura do telefone fixo. Puro roubo, sem qualquer tipo de benefício. Pois então, os representantes democráticos do povo, vinham optando pelos empresários das teles e não pelos consumidores! Dá para entender? Difícil, tão difícil que tudo ficou adiando...

Ah sim, e quanto ao tempo de trabalho de nossos representantes: segunda a sexta, oito horas por dia, um mês de férias.... Ah não?! E cá entre nós, com esse aumento, ainda permanecem os penduricalhos dos antigos rendimentos: auxílio moradia, auxílio paletó, auxílio viagens, combustível, manicure, pedicure, veterinário, que mais? Décimo terceiro salário, décimo quarto, décimo quinto... E a gente fica se perguntando: afinal, quantos meses tem o ano!

Mas talvez o problema esteja mesmo nessa imprensa ansiosa por novidades. Essas câmeras, holofotes e microfones da mídia, sempre indiscretos, os quais insistem em divulgar coisas que bem poderiam permanecer ocultas: cadeiras vazias, plenário vazio, gabinete vazio. Temas como mensalão, tráfico de influência e coisas que tais, melhor varrê-las para debaixo do tapete. Por que revelar ao país e ao mundo coisas que só nos envergonham!...Há tantos fatos e boatos que poderiam gerar manchetes bem mais picantes e sensacionalistas!

Mas onde foram parar as necessidades básicas, os direitos, as reformas, os apelos aos setores mais empobrecidos – tão fortes e veementes durante a campanha eleitoral?!... Bem, deve-se entender que há um hiato natural entre o antes e o depois das eleições. No antes, as portas da nave se abrem e os extra-terrestres se misturam aos simples terráqueos, em surpreendentes formas de amabilidade. No depois, as portas voltam a cerrar-se, e a vida segue em planos distintos.

Enfim, como ficamos? Bem, os eleitos, representantes legítimos e democráticos assumirão o comando da nave espacial, terão seus honorários e penduricalhos, defenderão com absoluta idoneidade os interesses da população brasileira... E quanto aos eleitores, bem, estes têm o mengão, o coringão, o campeão e uma porção de outros ãos. E, além disso, têm o bolsa família, o bolsa escola, o minha-casa-minha-vida, as obras do PAC, o sistema de quotas... Isto sem falar do Carnaval, da Copa do Mundo, das Olimpíadas... De fato a democracia no Brasil é mesmo uma beleza, como nunca antes na história desse país